Zé Keti

Zé Keti talvez seja um dos poucos que poderiam compor um verso que diz “Eu sou o samba / a voz do morro sou eu mesmo, sim senhor”. Bamba da melhor qualidade, José Flores de Jesus(1921-1999) na infância era “Zé Quieto” ou “Zé Quietinho”, por conta do seu temperamento mais introspectivo. Natural do bairro de Inhaúma, no subúrbio carioca, era neto do flautista e pianista João Dionísio Santana, que promovia saraus musicais em sua casa, frequentados por nomes como Pixinguinha e Cândido das Neves. Essa atmosfera musical, vivida desde cedo, moldou o ouvido e o coração de um artista que faria história como um dos grandes cronistas do povo do Rio.

Zé Keti, em 1972. Arquivo Nacional / Fundo Correio da Manhã

Antes de ser reconhecido como um dos mais célebres sambistas da cidade,, Zé Keti exerceu diversos ofícios: foi operário, engraxate, lanterninha de cinema e até estivador no cais do porto. Essa vivência com o povo trabalhador alimentou o caráter de suas letras, marcadas menos pelas canções de amor e mais pela crítica social e pela valorização das favelas e dos subúrbios cariocas. Em 1955, seu samba “A Voz do Morro” embalou o filme Rio 40 Graus, de Nelson Pereira dos Santos, um marco do Cinema Novo. Além de compositor, Zé Keti atuou como segundo assistente de câmera e também como ator. O longa seguinte de Nelson, Rio, Zona Norte (1957), foi livremente inspirado em sua trajetória, com Grande Otelo interpretando o sambista Espírito da Luz — um tributo simbólico ao próprio Zé Keti.

Em 1962, criou o grupo A Voz do Morro, ao lado de Elton Medeiros, Paulinho da Viola (seu pupilo, como diziam), Anescarzinho do Salgueiro, Jair do Cavaquinho, José da Cruz, Oscar Bigode e Nelson Sargento. O conjunto se tornou uma verdadeira escola do samba moderno e lançou três discos que hoje são considerados documentos fundamentais da música popular brasileira.

Zé Keti contracenando com Nara Leão durante o espetáculo “Opinião”, com texto de Oduvaldo Viana Filho (Vianinha), Paulo Pontes e Armando Costa e dirigido por Augusto Boal, em 1964.

Pouco depois, em 1964, Zé Keti participou do histórico espetáculo Opinião, ao lado de João do Vale e Nara Leão (que fez o convite ao sambista e depois substituída por Maria Bethânia). O show misturava música e teatro para demarcar uma oposição à ditadura militar, estabelecida meses antes do espetáculo, tornando-se um símbolo da resistência cultural e política da época. Foi nesse contexto que ele se afirmou como a “voz do morro”, levando o samba e as vozes do povo para o centro da cena intelectual brasileira.

Em 1965, lançou o samba “Acender as Velas”, um retrato pungente da desigualdade social e da vida nas favelas, que foi imortalizado na voz de Elis Regina. Outras composições de grande destaque incluem “Máscara Negra”, e “Diz que Fui por Aí”, parceria com Hortênsio Rocha, eternizada por Nara Leão e Zimbo Trio.

Na década de 1980, Zé Keti chegou a viver um período de ostracismo na música brasileira. Em 1987, teve o primeiro derrame cerebral. As dificuldades seguiram, até que, na década de 1990, sua obra foi novamente revisitada. Em 1996, o álbum “75 Anos de Samba” contou com a participação de Zeca Pagodinho, Monarco, Wilson Moreira e Cristina Buarque. Mas principalmente, a presença do cantor ao lado de Marisa Monte e da Velha Guarda da Portela, cantando clássicos do samba, reacendeu seu prestígio no cenário musical. Em 1998, ganhou o Prêmio Shell pelo conjunto de sua obra: mais de 200 músicas. O cantor e compositor morreu de falência múltipla dos órgãos aos 78 anos em 1999. Sua vida e obra, porém, são eternas. Verdadeiros hinos do cancioneiro popular, o samba em sua essência.

O cantor Zé Kéti (1921-1999) Foto: Marco Aurelio Olimpio / Divulgação
O cantor Zé Keti (1921-1999) Foto: Marco Aurelio Olimpio / Divulgação

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