Aí está ele, o mar, o mais ininteligível das existências não humanas.
(Clarice Lispector. Águas do Mundo)

O Rio de Janeiro é uma cidade atlântica, como indicam os mapas e afirma a Geografia. Mas, a História faz do Rio uma cidade afro-atlântica: sua relação com o Mar Oceano se deu em grande parte por articular-se com esta outra margem, e sua importância no chamado Mundo Atlântico surge principalmente a partir da conexão com a África. O Rio de Janeiro é uma cidade porto, um lugar de chegadas e partidas, e também de ligação com as rotas internas que irão colocar em contato o mar – em todas as suas margens – com o interior do país.

O mar, com seus sons e imagens, é elemento transversal a todas as salas.

Curadoria: Monica Lima

A paisagem do Rio que recebe e abriga as águas do oceano – e também as alimenta, com seus rios – ofereceu configurações que foram permitindo, ou se submetendo, a desenhos criados para a cidade. Entre montanha e mar, ou entre o mar e a montanha, o Rio de Janeiro foi sendo ocupado, e se estendeu pelo fundo da baía, aprofundando-se na subida da serra. No Rio das conexões afro-oceânicas, o Atlântico se fez baía de Guanabara e desembarcou no Valongo.

O Rio traz um rio no próprio nome, e desde que nasceu assim pensaram que era: a boca de um rio. A Baía de Guanabara enganou os navegantes, talvez por se apresentar com tantas águas doces que a alimentavam. O que era verdade mesmo, no momento em que os estrangeiros a viram pela primeira vez, é que o Oceano Atlântico dela se nutria, e nela se refestelavam golfinhos e baleias que em suas águas calmas circulavam. Era um recanto que as águas do mar encontravam para relaxar, para deixar-se envolver pelas águas doces e caudalosas dos rios que desciam das montanhas da Serra do Mar.
Hoje, muitos destes rios estão canalizados, ficaram ressequidos e foram até mesmo transformados em valões. Mas, a cidade ainda é marcada por estas águas, que às vezes se rebelam e escapam dos subterrâneos em que as confinaram, e dos traçados retilíneos que lhes impuseram. Transbordam, descontroladas, e reclamam seus territórios, derrubam, destroem, se vingam. E quando o oceano entra em ressaca, elevando suas ondas e avançando sobre as areias das praias e sobre os costões pedregosos, muitos canais, lagoas e rios do Rio também se elevam, conectados que são. Ah, a força das águas…

“Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
não esquecemos jamais
Salve o Navegante Negro
Que tem por monumento
as pedras pisadas do cais”

O Rio de Janeiro como cidade nasceu definitivamente ligado ao Oceano Atlântico e suas margens. Um porto, um lugar de chegada e desembarque, onde se pode colocar os pés em terra firme, nas areias pedregosas das praias da baía, ou sobre as pedras pisadas dos cais. Muito tempo depois da sua fundação, colocaram a estátua do Cristo Redentor com os braços abertos, recebendo os que aqui são trazidos pelas rotas marítimas. Não sem razão ele está voltado para a Baía de Guanabara, é para quem vem pelo Atlântico que se dirige o movimento de abraço. Há quem diga, e com razão, que este acolhimento não é para todos, nem nunca foi. Mas, os braços abertos estão lá. A história nos faz pensar sobre isso.

O Rio de Janeiro na primeira metade do século XIX era uma cidade cheia de africanos de diferentes origens. O que foi percebido e narrado nos relatos dos viajantes da época era um espetáculo cotidiano de africanidades circulando e marcando presença, sobretudo nas ruas próximas ao porto e ao centro da cidade. Tudo isso estava relacionado à escravidão e à intensidade da atividade do tráfico atlântico de africanos trazidos cativos para o Brasil, sendo então o Rio de Janeiro o principal porto de entrada. Especialmente durante as três primeiras décadas do século XIX, a cada semana, ou a cada mês, dependendo da demanda, chegavam embarcações da África com mais pessoas, o que impregnava a vida da cidade com sua humanidade. Ainda que fossem nomeados e tratados como mercadoria, nelas nunca se transformaram, e imprimiram sua cultura no mundo que os cercava.

O Rio de Janeiro recebeu ao longo do tempo, e segue recebendo, muitas pessoas de muitas partes do Brasil e do mundo. É uma cidade de encantamento, disputas por espaço, acolhida e muita luta por sobrevivência. Pode ser um destino preferencial, e nela não se encontrar lugar. Mas, no fim de tudo, se dirige ao mar para recomeçar – sempre.

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