Chiquinha Gonzaga

Lua Branca, Chiquinha Gonzaga

Chiquinha Gonzaga, foi criada para ser uma dama da sociedade e educada pelos professores mais gabaritados do Rio de Janeiro da época. Mas não foi nada disso o que se desenrolou. Além de ser a compositora brasileira mais importante do século XIX, o legado de Chiquinha Gonzaga é o de uma provocadora dos costumes, que enfrentou a ordem patriarcal.

Chiquinha Gonzaga

Filha de um militar do Império, Francisca Edwiges Gonzaga desde muito nova já era Chiquinha. Teve uma formação comum às meninas das famílias com pretensões políticas e aristocráticas: aprendeu a ler e escrever, um pouco de matemática, o francês, fez catequese, latim e, claro, a música, mais especificamente, o piano — um sinal de boa educação para as meninas. Mas ela subverteu todas as expectativas que se tinha sobre ela, e sua composição mais importante (a imortal “Ó, abre alas”, de 1899) bem poderia servir de epígrafe para essa personagem que abriu caminho para a independência da mulher no século XX. 

Pioneira do feminismo no Brasil, Chiquinha Gonzaga provocou escândalos na sociedade ao abandonar o marido para viver a vida que desejava — algo absolutamente incomum na sua época. O motivo que a levou a insurgir-se contra seu casamento foi o fato de seu marido lhe obrigar a abandonar qualquer pretensão musical. Mas Chiquinha escolheu seu piano. 

Ser uma mulher “desquitada” era ter uma péssima reputação aos olhos da sociedade da época. Chiquinha foi renegada pela família, e não pôde mais criar seus três filhos. Desamparada, ela passou a dar aulas de piano que, além de lhe servir de sustento, também a fez adentrar cada vez mais no universo boêmio-musical do Rio de Janeiro das décadas de 1870 em diante. 

A iluminação a gás instalada no Rio de Janeiro mudou a vida noturna da cidade. Com aspiração parisiense, a boemia crescia junto com os cafés e bares, muitos deles com seus pianos da casa. Nesse contexto, Chiquinha irá se destacar como compositora, e seus maxixes — vistos por seus críticos como lascivos — farão sucesso nas mãos dos musicistas e nos assovios da população. Em 1877 as primeiras partituras de Chiquinha Gonzaga são publicadas, e os nomes das peças dão um pouco o tom das composições: “Harmonias do coração”, “Atraente” “Sedutor”, “Não insistas rapariga”, “Plangente”, “Sultana” e “Os olhos dela”. 

Chiquinha Gonzaga em uma reunião da Sociedade Brasileira dos Autores Teatrais (SBAT). Acervo IMS

Chiquinha Gonzaga ousou tomar seu lugar no mundo às próprias custas. Engajou-se em lutas históricas no último quartel do século XIX. Não apenas se dizia republicana e abolicionista: foi às ruas fazer panfletagem, gritar palavras de ordem, participou de festivais destinados a angariar fundos para a Confederação Abolicionista e, vendendo suas partituras de porta em porta, conseguiu o dinheiro para alforriar pessoas escravizadas. Quase aos 70 anos de idade, ela se tornou a principal líder do movimento que exigia o pagamento de direitos autorais para artistas, sendo a fundadora de uma das principais associações do tema, a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT). Seu companheiro até o fim de sua vida, trinta e seis anos mais jovem, foi registrado e apresentado como sendo seu filho. Era uma notória boêmia, e como dizia uma polca em sua homenagem, era “querida por todos”. Ou quase.

Vicente Celestino, Chiquinha Gonzaga, Gilda de Abreu e Viriato Corrêa no palco do Teatro Recreio (RJ), após o ensaio geral da operetta Juriti – 23/11/1933. Imagem retirada de Portal Luis Nassif

Se havia seus admiradores, havia também os críticos. Em 1914, a primeira-dama, a cartunista Nair de Teffé, tocou em um sarau sediado no palácio do Catete o maxixe “Gaucho” (também conhecido como “Corta-Jaca”). Aquilo significou um duplo escândalo para os conservadores: tanto por tocar aquela música lasciva, quanto por ter sido executada ao violão — que, àquela época era visto como um instrumento de menor valia, tocado em serestas pelo “populacho”. Rui Barbosa (que havia perdido as eleições de 1910 para o então presidente, Hermes da Fonseca), lançou um discurso que transmitia seu conservadorismo político e revelava preconceitos contra a música popular que vinha se fabricando no Rio de Janeiro: 

Uma das folhas de ontem estampou em fac-símile o programa da recepção presidencial em que, diante do corpo diplomático, da mais fina sociedade do Rio de Janeiro, aqueles que deviam dar ao país o exemplo das maneiras mais distintas e dos costumes mais reservados elevaram o corta-jaca à altura de uma instituição social. Mas o corta-jaca de que eu ouvira falar há muito tempo, que vem a ser ele, Sr. Presidente? A mais baixa, a mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens, a irmã gêmea do batuque do cateretê e do samba. Mas nas recepções presidenciais o corta-jaca é executado com todas as honras de música de Wagner, e não se quer que a consciência deste país se revolte, que as nossas faces se enrubesçam e que a mocidade se ria!(Diário do Congresso Nacional, 8/11/1914)

A crítica de Rui Barbosa ia no sentido de condenar gêneros musicais nacionais frente a uma alta cultura, encarnada no compositor alemão Richard Wagner. Mas a realidade é que boa parte da música brasileira que se popularizava cada vez mais — o maxixe, o “tango brasileiro” — possuía lastro com o ensino de música clássica no país.

Entre valsas, tangos, polcas e outros gêneros, Chiquinha Gonzaga compôs mais de duzentas obras. As primeiras peças publicadas datam de 1877, e muitas das peças que Chiquinha produziu foram operetas de sucesso — flexionando o gênero na linguagem: agora, além do maestro, havia também uma maestrina. Impondo-se num meio absolutamente masculino, compôs “Ó, abre-alas”, que marca a invenção de um dos mais importantes gêneros musicais brasileiros: a marchinha carnavalesca. 

Chiquinha Gonzaga com seu piano, em 1932 Foto: Acervo Chiquinha Gonzaga / Instituto Moreira Salles / Sbat
Chiquinha Gonzaga com seu piano, em 1932 Foto: Acervo Chiquinha Gonzaga / Instituto Moreira Salles / Sbat

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