Um Otimista Sofredor
Rio de Janeiro, 21 de maio de 2021.
Caro eu do futuro,
Como estás? Espero que bem.
Para falar a verdade, não sei se esta carta será lida por você, pois nunca se sabe o dia de amanhã, e, francamente, não acredito que essa seja uma das escritas mais criativas que já fiz, pois – se sua memória lhe serve bem, já sabe a resposta – estou exausto, minha mente mal funciona graças a tudo que vem ocorrendo. Tenho certeza de que se lembra da época na qual escreveu isso, afinal, é difícil esquecer mais de um ano inteiro perdido em confinamento, especialmente na sua adolescência. Nós sempre ouvimos que a juventude era o momento de viver, ser espontâneo, ceder ao hedonismo da vida, porém isso nos foi roubado por estupidez humana e, agora, nossos “anos de ouro” são marcados por morte e desespero ao nosso redor. Seria poético se não fosse trágico, talvez seja assim que se sentiram os sobreviventes da Peste do século XIV, da Gripe Espanhola e diversos outros desastres. A única maneira de não enlouquecer nesse momento é se deixar consumir pela apatia, e foi justamente isso que você fez.
Por ser eu, conhece nossa insaciável curiosidade, então não existe ninguém melhor para entender minha necessidade por perguntar sobre sua vida a fim de te conhecer melhor. Que tal começar com coisas não tão pessoais? Gradualmente avançando no seu íntimo. Como está a sociedade? Houve alguma mudança significativa após a pandemia ou é como se nada tivesse acontecido? Eu espero que algum progresso tenha sido feito, porque as coisas não parecem que vão acabar bem no momento.
O capitalismo eu imagino não ter mudado, ou, no caso de ter acontecido, deve ter evoluído para manter o sistema sob circunstâncias novas, como vem acontecendo desde seu estabelecimento, mas é perceptível essa evolução, ou aconteceu antes de qualquer um ver? Ou será um regresso social e sistêmico mais provável? Alguma das previsões de futuras pandemias se tornou realidade? Se sim, como você lidou ou tem lidado com isso? Não acho que a apatia vá te ajudar para sempre.
Em relação à ciência, chegamos a Marte? Colonizamos mais um planeta, ou aprendemos com nossos erros? Homens cis, brancos, héteros e ricos ainda são idealizados e vistos como heróis? A população finalmente os vê pelo que são, pessoas privilegiadas e apoiadas pelo sistema desde que nasceram? Pode perceber que minha revolta ainda é forte quando escrevo esta carta. Acho que esta é uma boa transição para as perguntas mais pessoais.
Como você sabe, acredito que juventude é um estado de espírito, então, te pergunto: Você ainda é jovem? Ainda tem o fogo revolucionário ardendo dentro do seu coração? Seu sangue ainda é vermelho fervente? Não posso dizer que não estarei desapontado caso a resposta para qualquer dessas perguntas tenha sido negativa, mas também não posso lhe culpar, é cansativo, eu sei. Contudo, espero que não tenha sido dessensibilizado pelas injustiças do sistema sob o qual vivemos, espero que seu amor pela vida te faça seguir na luta por aqueles que não podem viver.
Seguiu nas suas ambições artísticas? Foi pelo rumo acadêmico? Escolheu sociologia ou filosofia? Ou algo completamente diferente? Ainda ama escrever? Ainda procrastina demais a ponto de se odiar? Faz terapia? Você cometeu mais erros? Acumulou mais arrependimentos? Entendeu, finalmente, o sentido de “adeus”? Continua em sua jornada por conhecimento? Saiu do Brasil? Abandonou algo ou alguém? Se sim, por quê? Você desapareceu sem explicações de novo? Se entediou de suas relações? Se considera uma pessoa melhor do que eu sou hoje? Mas, acho que só tem uma pergunta cuja resposta eu realmente quero. Você finalmente descobriu quem você é? Finalmente se ama?
Vou ser honesto, eu temo o futuro, mas está em minha natureza ser otimista, logo, tenho esperanças que nenhuma das minhas inseguranças se tornaram realidade. Espero que todo esse sofrimento leve a algo belo em algum momento. Bom, está na hora de me despedir, lágrimas podem ter sido derramadas ao ler essa carta e alguma catarse pode ter sido fornecida.
Abraços do passado,
Erick Carvalho.