A Belle Époque e o “bota-abaixo”

No início do século XX, o Rio de Janeiro assumiu, definitivamente, a condição de “grande capital europeia”. A vida cultural e artística era intensa. Era o tempo das conferências, da consolidação da imprensa e do surgimento do automóvel. Todos queriam viver a época dourada da cidade. O que acontecia em Paris podia acontecer no Rio de Janeiro. Nos salões elegantes, e mesmo nos mais modestos, falava-se francês e inglês. Até o café foi substituído pelo chá às cinco da tarde. 

À esquerda a avenue des Champs Élysées em 1900 e a direita a avenida Central (já av. Rio Branco), na década de 1920. espacomorgenlicht

O ano de 1903 foi decisivo. Indicado prefeito no fim do ano anterior, Pereira Passos era um autêntico representante dos novos tempos: proprietário da Estrada de Ferro do Corcovado (inaugurada em 1884) e membro ativo do Clube de Engenharia (1880), estudou na França e acompanhou as reformas do barão de Haussmann. Ajustava-se perfeitamente ao perfil de homem moderno e empreendedor imaginado pelas elites. Para que o projeto de modernização se concretizasse, o presidente Rodrigues Alves concedeu amplos poderes ao prefeito: no dia anterior à sua nomeação, foi promulgado decreto federal que suspendeu por seis meses o Conselho Municipal – contrário à renovação urbana – e centralizou o controle da máquina burocrática em suas mãos.

Fotografia de Francisco Pereira Passos. Autor desconhecido, 1890. Rio de Janeiro, RJ. Recenseamento do Rio de Janeiro (Districto Federal) realizado em 20/09/1906        (publicado 1907).

Para Pereira Passos e sua equipe de ilustrados, a estrutura urbana não se adaptava aos novos tempos. O “inferno social” e a falta de saneamento básico provocavam tumultos e influenciavam negativamente os estrangeiros, que tinham medo de contrair doenças tropicais. Era necessário eliminar o ranço colonial e aproximar o Brasil da produção e do comércio da Europa e Estados Unidos. 

Com o respaldo de Rodrigues Alves, da Igreja Católica, das instituições civis e militares e da grande imprensa, o prefeito deu início ao seu plano de reformas, que ficou conhecido como “Bota-Abaixo”. A construção da avenida Central, grande marco da reforma, criou as condições de comunicação entre o centro comercial e o porto, também reformado. Além disso, integrou-se à avenida Beira-Mar, facilitando o trânsito de quem morava ou se hospedava na região da Glória, do Catete e de Botafogo. 

Sobrado a ser demolido para as obras de urbanização do centro do Rio, localizado na rua dos Ourives entre a rua da Alfândega e a rua do Hospício. s.d. Foto Augusto Malta. Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. 

Dispostos estrategicamente na cidade embelezada e a despeito de todas as políticas que visavam ao seu extermínio, em meio aos canteiros de obras e máquinas, ainda resistiam os mascates e vendedores de perus, negras quitandeiras e vendedores de miúdos e, finalmente, os quiosques. Por mais paradoxal que pudesse parecer, o comércio dos quiosques se agigantou no período do “Bota-Abaixo”, pois garantiam a alimentação dos operários da reforma. As crônicas dos jornais destacavam a “raiva” que Pereira Passos nutria pelos quiosques, pelos vendedores de perus e miúdos de boi, porque eles “se chocavam com o refinamento do centro da cidade” (Maul, s.d., p. 35)

A “nação subterrânea” se manteve. Ao lado do requinte do homem moderno, estavam tipos urbanos ligados aos “acampamentos da miséria”. Eram as profissões ignoradas, descritas por João do Rio: os “fumadores de ópio”, “os presepes”, “os vendedores de santinhos” e de “livros populares”, “os marcadores”, “os trapeiros”, “os ratoeiros”, “os selistas” e outras que foram desenvolvidas pela “academia da miséria”.

Se, por um lado, criou-se uma aura de cidade do progresso, de capital-nação que protegia e garantia a riqueza e que podia conter todas as imagens da modernidade parisiense, por outro, persistia a cidade da miséria. A reforma tentou esconder a pobreza, deslocou-a para os subúrbios e para os morros, e as favelas começaram a se incorporar na paisagem da cidade moderna.

LARGO do Depósito. Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, 1904. In: História dos Bairros: Saúde, Gamboa e Santo Cristo. Zona Portuária. Rio de Janeiro: Editora Index,                   João Fortes Engenharia, 1987. 

As novas edificações carregavam o estilo eclético e os detalhes art nouveau. Mas tudo isso se provaria efêmero, o novo já tinha nascido velho. As reformas daquele início de século pertenciam à modernidade passadista do século XIX e não correspondiam às novas ideias que chegaram com o século XX, que apenas começava.

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