A Avenida Central
De uma hora para outra, a antiga cidade
desapareceu e outra surgiu como se
fosse obtida por uma mutação de teatro.
Havia mesmo na cousa muita cenografia.
Lima Barreto, Os Bruzundangas
Quando assumiu o cargo de prefeito em 1902, Pereira Passos colocou em prática muitos planos de saneamento e embelezamento que vinham sendo discutidos desde os relatórios da Comissão de Melhoramentos. Além do desmonte parcial do Morro do Castelo e de medidas higienistas que visavam à exclusão dos pobres do perímetro urbano, que conferiram o nome de “Bota-abaixo” a seu plano de melhorias, seu projeto incluía a construção de três grandes avenidas: Central, do Cais (depois Rodrigues Alves) e Beira-mar. E foi a avenida Central (atual Rio Branco) que acabou se tornando um dos maiores ícones da reforma de Pereira Passos.
Inaugurada em 1905, a avenida Central traduzia todo o ideário civilizatório requerido pelas elites cariocas. Sua construção, entre 1904 e 1905, transformou a paisagem e mudou a história das ruas do entorno, que se tornaram galerias a céu aberto.
Desmonte de parte do Morro do Castelo para a construção da av. Central. Fotografia de João Martins Torres, 1904 [?]. Rio de Janeiro, RJ – Instituto Moreira Salles
De um lado da avenida, estavam o porto e o movimento da estiva, o ir e vir dos passageiros que chegavam ou saíam da cidade-capital; no extremo oposto, a cultura tomou conta da paisagem. A área do antigo Largo da Mãe do Bispo (no encontro das atuais ruas Evaristo da Veiga com Treze de Maio) deu lugar a uma praça moderna nomeada Marechal Floriano, que, nos anos 1920, ficaria mais conhecida como Cinelândia. O Teatro Municipal (1909), a Biblioteca Nacional (1910) e a Escola de Belas Artes (1908) traduziam o moderno na forma e no conteúdo. Seus cinematógrafos, restaurantes, bares e cafés eram a materialização de Paris nos trópicos.
Esse cenário contrastava com o que ela escondia. Sua forma apontava para uma modernização superficial e efêmera. Foi inaugurada em meio a protestos e lamentos de todos que foram expulsos dali para que ela existisse.
O concurso de fachadas realizado pela comissão construtora misturou estilos e radicalizou o ecletismo carioca, além de ter estipulado um padrão: fachadas de 10 a 35 metros de largura, além de, no mínimo, três pavimentos. Próximo ao porto, a avenida se ligou à Rodrigues Alves, que nasceu da terra da destruição do Morro do Senado. As obras começaram com a demolição de cerca de 600 edifícios, que abrigavam os setores mais pobres da sociedade carioca. Cortiços e hospedarias caíram como dominós, e os avisos eram colocados nas casas que seriam derrubadas com prazos pequenos para a desocupação dos edifícios.
Comboio presidencial em meio aos protestos durante a inauguração da avenida. O Malho, 10 de setembro de 1904. Por Angelo Agostini. Acervo: FBN.
A realização da obra ficou a cargo do engenheiro André Gustavo Paulo de Frontin (1860-1933). Durante meses, o movimento de construção foi mudando a paisagem. Saíam ruas estreitas, becos e estabelecimentos comerciais do período colonial, “entravam” os sistemas de esgoto e água, iluminação e eletricidade. Alinhamentos, retificações e novas ruas completavam o cenário. Os 1.800 metros de comprimento e 33 metros de largura da avenida Central pareciam muito mais extensos.
A avenida Central foi inaugurada em 15 de novembro de 1905 e se transformou no palco da moda, lugar de curiosidade e de encontros. No fim da tarde, seus cafés recebiam as famílias ricas para o refresco de laranja ou a limonada. O calçamento encantava quem passava, com os desenhos formados pelas pedras portuguesas. No canteiro central, as mudas de pau-brasil lembravam que a cidade era nos trópicos. A rua do Ouvidor perdeu o protagonismo. O obelisco de granito fechava a avenida Central diante do mar.
Os edifícios imponentes mostravam seu cosmopolitismo. Eram obras de vários arquitetos que participaram dos concursos de fachadas, que tinham como júri Pereira Passos, Paulo de Frontin, Lauro Müller e Oswaldo Cruz. Nesse contexto, o arquiteto catalão Adolfo Morales de los Rios se destacou, sendo responsável por diversos projetos, entre eles, a Escola Nacional de Belas Artes. O edifício da Tabacaria Londres – inicialmente pertencente aos irmãos Francisco e Antônio Jannuzzi – foi o primeiro a ser concluído, em março de 1905. Depois, vieram os hotéis, as redações de jornais, os clubes, as sedes de empresas e edifícios públicos.
Imagem do Arquiteto Adolfo Morales de Los Rios – Imagem presente em Biografia no IHGB.
A avenida Beira-Mar consolidou o movimento em direção à área sul. Copacabana era alcançada de maneira mais fácil, não era mais necessário passar pelo cemitério de São João Batista ou entrar no túnel (atual túnel Alaor Prata).
Em 1912, após a morte do Barão de Rio Branco em fevereiro, a avenida Central passou a se chamar Rio Branco, em homenagem ao diplomata falecido uma semana antes do Carnaval. Naquele ano, os clubes que promoviam os bailes à fantasia acharam melhor adiar os festejos para abril. Apesar do luto, no sábado de carnaval os foliões resolveram sair às ruas com suas fantasias e confetes. Em abril, foi a vez dos clubes realizarem seus bailes, e a população viveu as alegrias do carnaval pela segunda vez. Foram dois carnavais num ano supostamente de luto.