A formação do leitor carioca
Para existir de fato, a literatura precisa de um público. No Rio de Janeiro do século XIX, e no Brasil em geral, o número de alfabetizados era extremamente baixo. O Censo Nacional de 1872 registrava que apenas 23% dos homens livres sabiam ler e escrever, enquanto esses números caíam para 13% no caso das mulheres.
Isso não impediu, porém, que depois da abertura da imprensa livre na cidade, a partir de 1821, um número crescente de pessoas recorresse aos jornais e revistas para se informar. Elas consumiam avidamente notícias, folhetins e poemas, espremidos entre anúncios de vendas de escravizados e novidades cosméticas e medicinais vindas da Europa.
É notório que o gênero que solidificou uma literatura na cidade tenha sido o Romantismo, com suas histórias de heróis e moças apaixonadas, capas e espadas, intrigas familiares e uma pitada de “vida mundana” na relação cada vez maior entre rapazes e moças. Com a estabilização política e econômica do Segundo Reinado (com o auge na década de 1850-60), cresceram os espaços públicos de interação social. A literatura tornou-se uma forma de entretenimento que falava das ruas, cafés e praças, frequentados pela maioria das pessoas letradas. Dessa forma, um vínculo direto entre leitores e escritores foi criado.
A literatura romântica também acabou priorizando, como público, a “querida leitora”. A maioria dos que liam os folhetins era de mulheres de diferentes idades. Isso ocorria porque, não só elas eram as pessoas com uma rotina dentro da casa, mas porque a literatura não gozava de grande prestígio entre as elites políticas e econômicas. Alguns contos e romances do período usavam inclusive a imagem das mulheres que, por “lerem muito”, ficavam com problemas de saúde e se desviavam de suas funções submissas no arranjo patriarcal do período.
Nesse cenário, variados veículos de imprensa tinham, já em seus nomes, a definição desse público-alvo: em 1852, apareceu o Jornal das Senhoras (dirigido de forma pioneira por Joana Paulo Manso de Noronha e, nos anos seguintes, sempre por outras mulheres); em 1863, ocorreu o sucesso do Jornal das Famílias (uma iniciativa de Baptiste Louis Garnier, a partir do sucesso do jornal voltado às mulheres).
Outro público fundamental para adensar a leitura no Rio de Janeiro eram os estudantes. Grupo que, dependendo de sua classe social e cor de pele, aspirava romanticamente à literatura como rito de passagem e caminho natural para suas vidas. Ao mesmo tempo em que consumiam os jornais e os poucos livros que circulavam, também eram autores, participando em diferentes frentes – impressas ou orais – na formação desse cotidiano literário carioca.
Vale ainda lembrar que muitas famílias tinham em seus patriarcas – pais, irmãos, tios – a figura do ledor – isto é, aquele que lia literatura e outros textos, como notícias de jornal, para o restante da família. Às vezes, em vez dos homens da casa, lia aquela pessoa que tinha maior pendor teatral e transmitia mais emoção. Essas leituras coletivas também estimularam os formatos românticos (caprichados no drama amoroso) e a ampliação da leitura entre as famílias.
Além dos jornais e revistas, a partir da década de 1840 um tímido mercado editorial com tipografias, editores e livrarias (muitas vezes no mesmo espaço, como era o caso de Paula Brito) começou a sedimentar o hábito local da leitura. Aos poucos, a conexão com a língua francesa, entre a elite e demais classes sociais em contato com a leitura e a escrita, permitiu a importação de romances franceses e ingleses, além, claro, de centenas de livros portugueses.
A formação do público leitor carioca, portanto, passou diretamente por uma camada social de mulheres que podiam, por meio da ficção, viver as ruas de sua cidade em crônicas de José de Alencar ou se projetar nas heroínas dos folhetins de Alexandre Dumas. Passou também pelo crescente número de estudantes que ocupavam as livrarias, cafés e eventos sociais da cidade, todos ávidos por participação pública e sucesso literário, e pelas leituras coletivas em família – hábito que expandia o raio de ação de uma história para além da população alfabetizada.