Revolta das Carnes Verdes
No início do século XX, o abastecimento de carne no Rio de Janeiro era monopólio da Empresa de Carnes Verdes, uma concessão do Governo Federal. Só que o acesso à iguaria era privilégio de poucos. Em um quilo de carne, o corte mais destacado era o de classe: quem não tinha recursos acabava comprando na mão de contrabandistas.
O produto saía do Matadouro Municipal de Santa Cruz e era distribuído pelos açougues da cidade. Nos primeiros meses de 1902, a concessão do monopólio estava próxima do vencimento. E tinha muita gente de olho naquele quinhão. O jogo de interesses explodiu no dia 26 de fevereiro, quando a porta da redação do jornal Correio da Manhã amanheceu repleta de vísceras podres.
O cheiro forte denunciava a qualidade das carnes comercializadas pela Empresa de Carnes Verdes, mas não havia como provar. O certo é que, nos dias seguintes, o jornal cobriu o caso sob o título “Fígado apostemado”. O escândalo foi tão grande, que um processo chegou a ser aberto no Tribunal Civil e Criminal, e o juiz Gama e Souza liberou de vez a venda de carnes.
Até a demissão do prefeito Xavier da Silveira, o semanário humorístico Tagarela acompanhou e ironizou a chamada “questão das carnes verdes”.
A produção explodiu e foi um pesadelo para o serviço de higiene pública, que perdeu o controle da inspeção. Para evitar uma epidemia de tuberculose e febre aftosa decorrente do abate indiscriminado de animais doentes, o jeito foi recolher e incinerar os produtos suspeitos que estivessem em circulação – geralmente, aqueles de procedência e qualidade duvidosas.
O confisco e inutilização da carne barata despertou a fúria da população. Carroções de distribuição da mercadoria foram saqueados. E onde quer que a cavalaria chegasse, era recebida com paus, pedras e tiros. Bondes, trilhos e paralelepípedos viraram material para barricadas. Após quatro dias, em 8 de março, a situação nas ruas estava tão desarranjada, que o prefeito Xavier da Silveira pediu afastamento do cargo.
O presidente Campos Sales interveio e decretou o fim do monopólio. Bom para a concorrência, ruim para os amotinados. O mercado foi aberto, mas a fiscalização virou regra. E, com a inibição da via clandestina, em poucos dias, o preço da carne disparou.
Este texto foi elaborado pelo pesquisador Danilo Marques do Projeto República (UFMG).