Plano Doxiadis

Quando Brasília foi inaugurada como nova capital do Brasil, em 1960, foi criado o estado da Guanabara, e a cidade do Rio se tornou sua capital. Ser estado significava ter recursos municipais e estaduais capazes de resolver as precariedades da antiga capital, que só se acumulavam. Mas havia novos problemas, além da falta d’água e saneamento. A população continuava crescendo, assim como a quantidade de automóveis, e as ruas não sustentavam o aumento da circulação. 

Os morros foram sistematicamente ocupados pelas pessoas que vinham do campo para a cidade, e as favelas se espalharam numa velocidade tal que, em 1960, sua população já representava 11% de um total de 3,8 milhões de habitantes.

Carlos Lacerda, primeiro governador do novo estado, se concentrou em questões imediatas, com obras de infraestrutura que modificaram a paisagem da cidade-estado e resolveram alguns de seus problemas. O governador acabou sendo ajudado pela proximidade do aniversário de quatrocentos anos da fundação da cidade, cujas comemorações alimentaram a ideia de que a antiga capital agora era a Belacap, um misto de polo financeiro e cultural do país. Para produzir efeitos imediatos e diretos sobre as classes populares, Lacerda anunciou que as reformas começariam pelos subúrbios, áreas mais desprovidas de ações governamentais, e pelo fortalecimento da educação, que deveria atingir todas as regiões do estado.

Nesse cenário,  Lacerda contratou o urbanista grego Constantinos Apostolos Doxiadis para elaborar o segundo plano diretor da cidade. Parte dos recursos necessários para o financiamento do projeto vieram dos Estados Unidos no âmbito do programa “Aliança para o Progresso”, do governo Kennedy, que procurava estabelecer alianças com países da América Latina para combater a “ameaça comunista”. A combinação entre a possibilidade de candidatura de Lacerda à presidência da República e as comemorações do IV Centenário transformaram o Rio de Janeiro na capital da moral conservadora católica e do trabalho, dando ao plano uma repercussão não imaginada, que o fez ser visto como exemplo de administração competente e de tino para o futuro. Nesse sentido, o Plano Doxiadis funcionou como uma alavanca para as pretensões de Carlos Lacerda de ser presidente da República, com a Guanabara como sua vitrine política.

Projeto de Doxiadis para Copacabana. Fonte: Doxiadis Associates, 1965

A escolha de Doxiadis refletiu uma afinidade ideológica com o posicionamento de Lacerda: representava a aproximação com o pensamento urbano norte-americano – ou seja, com seus aliados na luta anticomunista – e, concomitantemente, com uma tentativa de superar o paradigma modernista da construção de Brasília, realização maior de JK.

A escolha de um escritório estrangeiro gerou – assim como na década de 1920, quando da contratação do francês Agache – grande indignação entre os arquitetos brasileiros. Ainda assim, o contrato com Doxiadis foi assinado em janeiro de 1964 e, ao final de fevereiro, o urbanista já se instalava em um escritório no edifício Avenida Central, na avenida Rio Branco. O grego defendia a necessidade de um planejamento em larga escala, que coordenasse tanto o aspecto socioeconômico quanto o físico a um programa de âmbito metropolitano, que teria como meta o ano 2000. Portanto, o Plano Doxiadis foi, ao mesmo tempo, um plano de gestão e um plano diretor físico, que definiu diretrizes para que, no início do milênio seguinte, o estado estivesse urbanizado de acordo com um padrão de crescimento equilibrado e, portanto, pudesse funcionar perfeitamente.

Segundo Doxiadis, os problemas de ordem econômica da Guanabara decorriam da obsolescência de sua infraestrutura física, ainda que Lacerda viesse, ao longo de sua gestão, executando um grande número de obras públicas. Para o urbanista, faltava às intervenções do governador uma linha norteadora, um plano geral de renovação. De modo a construir esse plano geral, Doxiadis elaborou uma malha de comunidades, estruturadas segundo uma hierarquia funcional e de grandeza. Essas comunidades autossuficientes estariam separadas por vias expressas de alta velocidade, que seriam construídas sobre estruturas elevadas e direcionadas segundo os eixos norte-sul e leste-oeste. Ademais, Doxiadis propôs uma cidade com dois centros: um centro industrial em Santa Cruz e um centro cívico e de negócios no antigo Centro.

Esquema de organização das comunidades proposto por Doxiadis. Fonte: Rezende, 1982.

Muitas de suas propostas foram aproveitadas das intervenções que Lacerda já vinha implementando nos anos anteriores, como a criação de distritos industriais na região de Santa Cruz e às margens das vias expressas, já em execução desde 1961, quando foi criada a Companhia de Progresso da Guanabara (Copeg), e a opção pelo transporte rodoviário, também uma realidade na Guanabara, cujos antigos bondes haviam sido substituídos por ônibus elétricos da Companhia de Transportes Coletivos (CTC). Além disso, a construção de vias expressas era solução para o transporte desde a década anterior, intimamente ligadas ao modelo nacional-desenvolvimentista que impulsionou o crescimento da indústria automobilística no Brasil.

Os resultados positivos no que tange ao aumento da capacidade de consumo da cidade e a oferta de postos de trabalho fizeram da cidade referência para aqueles que buscavam oportunidades de emprego e investimentos. A cidade passou a receber imigrantes de várias partes do Brasil. Os retirantes nordestinos, como anunciava Caymmi, pegavam um ita no norte e vinham “para o Rio morar”. 

Restava, entretanto, o problema das favelas. 

A centralidade do debate sobre as favelas repercutiu na elaboração do Plano Doxiadis, que incorporou a política de construção de conjuntos habitacionais na periferia, que Lacerda vinha implementando desde a criação da Cohab, em 1962. Concebido para durar até 1980, o “Programa especial de política habitacional para favelados” foi apresentado na forma de um relatório emergencial, entregue apenas quatro meses após sua contratação, em junho de 1964. O programa especial para a eliminação das favelas por meio da criação de acomodações para todos os moradores dos morros tinha em seus primeiros cinco anos um momento-chave. Doxiadis propunha como diretriz fundamental um esforço global para mobilização de recursos públicos e privados.

Esse plano de remoção não teve fácil aceitação e acabou se transformando numa questão política, principalmente, pela forma com que as remoções começaram a ser feitas. O ponto central era a precariedade de comunicação entre as vilas e os lugares de trabalho na cidade e também as questões relativas ao tempo para a remoção, justificado pela pressa do plano e criticado por seu caráter autoritário. Para conter a primeira crítica, Lacerda criou uma empresa estadual de transportes – a CTC – que integraria as vilas ao Centro e eliminaria a primeira questão; quanto à segunda, foi mais difícil, pois envolvia a Secretaria de Serviços Sociais, comandada na época por Sandra Cavalcanti, acusada de fazer uma política de exclusão e que teria chegado ao ponto de jogar os sem-teto no rio da Guarda, para eliminar a miséria durante os festejos do aniversário da cidade.

Durante o governo Lacerda, cerca de 42 mil pessoas foram removidas de 27 favelas, foram construídos quatro conjuntos habitacionais e urbanizadas quatro favelas. A maioria das remoções levadas a cabo nesse período atingiu favelas próximas à avenida Brasil. 

Mas as remoções não se encerraram com o seu governo, especialmente, depois da enchente de 12 de janeiro de 1966, quando um forte temporal deixou 50 mil desabrigados e 250 mortos. A tempestade, com duração de mais de 72 horas (e cujas águas demoraram cerca de três dias para baixar), deixou a cidade completamente paralisada. O temporal atingiu, principalmente, a zona da Leopoldina e os subúrbios da Central do Brasil. Também foram atingidos bairros como Madureira, Jacarepaguá, Botafogo, Tijuca, Praça da Bandeira e Jardim Botânico.

As medidas foram rápidas frente à tamanha tragédia. Em setembro de 1966, foi criado um grupo de trabalho para elaborar um plano habitacional para toda a Guanabara, o “Plano Habitacional Integrado da Guanabara”. E, após pouco mais de um ano, em dezembro de 1967, o governo apresentou o “Plano de Erradicação das Favelas e Urbanização do Rio de Janeiro”, que seria iniciado nas favelas do entorno da lagoa Rodrigo de Freitas e atingiria cerca de 35 mil pessoas. 

Apesar de a memória do carioca apontar Lacerda como o governador responsável pelas maiores remoções executadas, o número de pessoas removidas durante o governo seguinte, o de Negrão de Lima, foi quase o dobro. O programa de remoções passou a atingir amplamente a Zona Sul, somente em dezembro de 1967, já no governo Negrão de Lima.

A Favela do Esqueleto, no terreno onde atualmente fica a UERJ. Acervo UERJ /Site do Jornal Meia Hora

Em maio de 1968, a opção remocionista ganhava mais força com a criação da Coordenação de Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana do Grande Rio (Chisam), órgão subordinado ao Ministério do Interior, que foi o responsável pela realização das grandes remoções de favelas até 1973, quando foi extinto. Uma observação atenta das remoções mostra resultados surpreendentes.

No fim das contas, o Plano Doxiadis teve importância prática reduzida, porque esteve muito vinculado à figura de Carlos Lacerda e foi entregue num momento em que a associação à imagem do governador não era desejada nem pela Ditadura Militar nem por quem se opunha a ela. Contudo, o plano nunca foi completamente abandonado. Logo que Negrão de Lima assumiu a cadeira de governador, começaram as cobranças a respeito de sua implementação. Então, em junho de 1966, criou-se um grupo de estudo, que deu origem à Comissão Executiva de Política Habitacional (Cepe), para estabelecer sua viabilidade. Ainda assim, o plano permaneceu praticamente intocado, a não ser pelas diretrizes para a política de remoção de favelas e pelas obras implementadas na região do antigo Mangue, que incluía o vizinho Catumbi.

Visto por Doxiadis como um bairro estagnado, a região do Mangue deveria ser objeto de um plano de renovação urbana que permitisse a expansão do Centro. Para tal, previu-se desapropriações em massa, modificação das dimensões dos lotes, mudança na legislação urbana de modo a permitir um adensamento populacional e abertura de avenidas. De 1966 até abril de 1970, foram transferidas cerca de trinta favelas, totalizando 70.595 pessoas.

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