Jogos de azar e os trabalhadores urbanos

No final do século XIX, o Rio de Janeiro passava por mudanças estruturais a partir do desejo das elites, que buscavam encaixar-se nos ideais europeus de civilização. A produção de café, os investimentos massivos de capital estrangeiro, a abolição da escravidão e a instituição da República ajudam a explicar essas mudanças. Com o crescimento populacional, a partir da abolição e da chegada intensiva de imigrantes europeus, as dinâmicas internas da cidade se modificaram, inclusive no que diz respeito ao lazer. 

 As festas tradicionais já não atendiam aos interesses dos dirigentes da cidade e, por isso, era necessário pensar em novas formas de divertimento. O plano das elites para os jogos e práticas esportivas combinava os ideais difundidos no período: higienização, saneamento, modernização e ordem. O objetivo não era apenas entreter por meio do lazer, mas, sobretudo, educar os trabalhadores no momento do ócio – seguindo a lógica das metrópoles europeias. 

A partir de 1890 houve um aumento de investimentos nas atividades ligadas ao corpo e aos ideais higienistas, corroborando com a ideia de que um corpo higienizado seria um corpo forte e robusto, preparado para enfrentar as dificuldades da vida e suportar a rotina de trabalho, formando uma nação “saudável e progressista”. 

Os velódromos exibiam corridas de bicicleta e muitos eventos tinham apostas. Mas esta era considerada uma prática salutar. Anúncio de disputa de ciclismo no Velódromo Guanabara. Arquivo da Revista Theatral – Biblioteca Nacional

Tais demandas eram captadas pelos empresários das diversões e utilizadas para fundamentar os pedidos de liberação na Intendência Municipal. Muitos conseguiram seus alvarás para casas de apostas e jogos com esse tipo de argumentação. Os frontões, boliches e velódromos funcionavam como “mini ginásios”, com banheiros, adega, cozinha, botequim e as chamadas casas de poules, que concentravam as apostas. 

Mas se algumas práticas eram bem aceitas, outras não tiveram a mesma sorte: o bilhar, carteado, jogo da pelota,  briga de galo, touradas, circos de cavalinhos, cavalinhos de pau, cosmoramas e o jogo do bicho passaram a ser reprimidos, sob a justificativa de serem atividades menos civilizadas, o que fugia às intenções das elites.

Matéria da Revista da Semana sobre a continuidade dos jogos de azar, já compreendidos como contravenção. Ed. 19 de 1953 – Hemeroteca Digital

Se, por um lado, as apostas no turfe e no remo – esportes ligados à diversão das classes mais ricas – não eram mal vistas; por outro lado, os jogos ligados à recreação dos trabalhadores eram duramente perseguidos. 

Houve uma tentativa de definir qual seria o tipo de diversão adequada para os trabalhadores: era preciso que os jogos atendessem aos ideais civilizadores pretendidos. Os divertimentos que não se encaixassem seriam perseguidos. Na prática, o lazer das classes trabalhadoras foi reprimido e rechaçado – ainda que de maneira confusa -,  ao passo que as elites conseguiram manter seus espaços de diversão praticamente intocados.

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