Arte Contemporânea carioca entre o cubo branco e as ruas

Apesar da pintura brasileira feita a partir dos anos de 1980 não trazer a marca politizada da década de 1960 ou da arte conceitual da década de 1970, o período de redemocratização após vinte anos de ditadura civil-militar fez com que a produção artística nacional desse novo momento tivesse diferentes formas de diálogo com a situação política de então. Se a pintura foi o carro chefe para a ampliação de um mercado mais maduro e lucrativo, também ocorreu com frequência coletivos organizados ao redor de práticas transgressoras que sempre desafiaram tanto esse fluxo financeiro quanto a oficialização do meio artístico. 

No Rio de Janeiro, alguns grupos se posicionaram publicamente contra situações que restringiam as ideias renovadoras na cidade e no país. Foi o caso do coletivo (que se tornou depois uma revista) intitulados A Moreninha, além de outras ações públicas em anos seguintes, como os espaços Agora e Capacete e a exposição coletiva Orlândia. 

Artistas do grupo A Moreninha. Fonte: Nuvem Crítica

Dentro das ações de rua que marcaram a década de 1980 se destaca o nome do artista (e atualmente, também professor e pesquisador) Ricardo Basbaum. Ele é o elo entre grupos performáticos como a Dupla Especializada (com Alexandre Dacosta) e o Grupo Seis Mãos (com Dacosta e Jorge Barrão), que realizaram pinturas públicas e usaram cartazes de rua, além de formar uma banda, em um pioneirismo na relação entre arte visual e música pop no Rio de Janeiro. O coletivo A Moreninha durou apenas dois anos (1987 e 1989), mas os artistas participantes foram vários, mudando durante cada ação. Dentre os participantes (além de Basbaum, Da Costa e Barrão) estavam as pintoras Beatriz Milhazes e Cristina Canale e os curadores Marcio Doctors e Paulo Roberto Leal. 

O grupo promoveu inicialmente uma maratona de pintura impressionista na ilha de Paquetá (de onde veio o nome do grupo, já que é nessa cidade que se passa o romance famoso de Joaquim Manuel de Macedo, “A Moreninha”), após criarem uma história fantástica homenageando o suposto centenário de um grupo de “pintores de domingo”, cujo nome seria, também, A Moreninha. Eram pintores ao ar livre que seguiam ideias do pintor impressionista francês, Manet (que, de fato, visita a cidade do Rio de Janeiro no ano de 1848). Tal história incrivelmente inventada foi enviada aos veículos de comunicação e o grupo carioca viu jornais e emissoras de TV (inclusive o programa Fantástico) divulgarem a ação como a celebração do centenário desse grupo fictício de Paquetá. 

Mas certamente a ação mais marcante do coletivo A Moreninha foi o happening que realizaram durante a palestra do crítico italiano Achille Bonito Oliva na galeria Saramenha, no Rio de Janeiro, em fevereiro de 1987. Oliva era um dos teóricos da “transvanguarda”, termo que circulava com frequência no período. Durante a palestra do crítico e teórico italiano, Ricardo Basbaum e outros artistas fizeram intervenções sonoras (com um aparelho gravador de Basbaum) e performativas (como assistirem ao discurso de Oliva de costas, segurando um espelho retrovisor, ou usarem orelhas de burro). Como Oliva era um nome forte, com estreitas relações com o mercado de arte que vinha crescendo no país, os artistas traziam uma crítica ao olhar comercial e colonialista europeu sobre os trabalhos locais. 

Capa do primeiro número da revista Item, 1995 Fonte: https://www.item.art.br/

Tais ações, em que artistas formam coletivos pontuais para intervirem em debates públicos e práticas comerciais nas artes visuais, foram crescendo ao longo das décadas seguintes. Crises econômicas e a hegemonia da pintura como única forma bem sucedida de trabalho provocaram artistas articularem formas de sobreviver e se organizar. Nos anos 1990 o engessamento institucional da cidade fez com que surgissem iniciativas coletivas de artistas novos que buscaram não só circular ideias, como organizar seus próprios espaços de exposições. Mais uma vez, Ricardo Basbaum participa de iniciativas como o Visorama (coletivo que surge de um grupo de estudos com diversos nomes) a revista Item (editada por Basbaum, Eduardo Coimbra e Raul Mourão em 1995, com seis edições) e o espaço Agora (reunião dos ateliês do grupo da revista, além de outros como Marcos Chaves, Tatiana Grinberg e Carlos Bevilacqua) em um prédio na Rua Joaquim Silva e o Capacete (iniciativa de Helmut Batista na produção de intercâmbios internacionais). 

Grande Orlândia, 2003. Foto: arquivo de Ynaiê Dawson

Esses movimentos coletivos, todos ligados às regiões deterioradas da cidade, como a Glória, a Lapa e demais regiões do centro, teve seu ápice na série de exposições Orlândia: duas edições em Botafogo (2001) e uma edição em São Cristóvão (2003) – essa, intitulada Grande Orlândia – artistas abaixo da Linha Vermelha. Organizadas pelos artistas Márcia X, Bob N, Ricardo Ventura e Elisa Magalhães, essas ocupações independentes, contando com até 140 artistas de diversas técnicas e formas, criaram alternativas para os circuitos comerciais da cidade. 

Todas essas ações de artistas que se tornam também críticos, curadores, professores ou editores, culminaram com iniciativas como a galeria A Gentil Carioca, fundada por Ernesto Neto, Marcio Botner e Laura Lima em 2003 no coração do Saara, região central do Rio de Janeiro e um dos espaços contemporâneos mais bem sucedidos da arte brasileira.

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