Revérbero Constitucional Fluminense
“Brasileiro, reunamo-nos”. Esse é o tom do Revérbero Constitucional Fluminense, redigido por Joaquim Gonçalves Ledo e Januário da Cunha Barbosa, padre da Capela Real, no Rio de Janeiro. Trata-se de uma das principais peças de propaganda de uma ideia de Brasil autônomo, livre da “tirania”, “despotismo” e tantos outros adjetivos que, à época, representavam mais do que ofensas: eram um atestado de inimizade. Junto com a independência, estimulou a criação de um sentimento nacional, brasílico.
O Revérbero começou a circular em 15 de setembro de 1821, na esteira do decreto emitido pelo rei, d. João VI, que estabelecia o fim da censura prévia no Brasil. O nome escolhido para o jornal não foi por acaso. Ao contrário, diz muito sobre as aspirações iniciais de seus redatores. Seu conteúdo era abertamente liberal e constitucionalista — e o jornal teria sido o primeiro a levantar essas bandeiras de maneira tão veemente. Ele seria um instrumento, portanto, que circularia entre a população reverberando, ou seja, amplificando tais ideias. Tratava-se de uma imprensa muito mais panfletária do que noticiosa.
Antes de pregar o rompimento dos vínculos políticos e institucionais entre Brasil e Portugal, o Revérbero defendia uma equiparação, do ponto de vista político, entre as duas partes que, desde 1815, constituíam um único Reino Unido. Seus escritos vislumbravam uma relação possível (e até harmoniosa) entre as partes de cá e de lá, desde que a autonomia do Brasil fosse garantida — o que implicava em uma constituição própria, que atendesse aos contextos locais, e sem estarem as províncias brasileiras subordinadas a Lisboa. Entretanto, à medida que as decisões das Cortes em Portugal iam se mostrando contrárias aos interesses do Rio de Janeiro, os redatores do jornal também iam progressivamente adotando um tom menos convergente entre os dois reinos.
A partir de 1822 o Revérbero abraçou a monarquia constitucional em torno do príncipe regente, d. Pedro, como modelo exemplar de um “espetáculo novo no Teatro do Mundo civilizado”. A presença do príncipe, “penhor da nossa tranquilidade e centro de um grande Império”, evitaria “os escolhos da democracia pura, e os ferros do aborrecido despotismo, deve conduzir-nos livres e felizes ao termo dos nossos prudentes e honrosos desejos”. Cada vez mais, o Revérbero buscou em seus artigos traçar um histórico nacional que orientasse, ou justificasse, o destino desste reino independente e do sentimento de nação que se buscava construir. Estava em disputa também o círculo de influência sobre aquele que reinaria no Brasil, d. Pedro.
Após 13 meses de sua primeira edição, o Revérbero foi alvo de uma devassa comandada pelo principal rival político de Gonçalves Ledo, José Bonifácio de Andrada e Silva. Em novembro de 1822 — pouco depois, portanto, da proclamação de Independência do Brasil, na qual o jornal teve importante participação—, José Bonifácio estava no auge de sua influência sobre d. Pedro. Comandou uma devassa conhecida como “Bonifácia”, prendendo opositores e fechando espaços de ideias — dentre eles Revérbero Constitucional Fluminense. Januário da Cunha Barbosa e Joaquim Gonçalves Ledo foram acusados de republicanismo e conspiração. O primeiro foi preso e mandado em exílio para a França; já o segundo, conseguiu fugir para Buenos Aires.
Em fins de 1823, com a queda de prestígio de José Bonifácio, ambos puderam regressar ao país. Além do perdão, foram agraciados com a Ordem do Cruzeiro do Sul, a maior honraria do recém -fundado Império do Brasil. O Revérbero, porém, nunca mais foi impresso.
Referências Bibliográficas
ENDERS, Armelle. A história do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Gryphus Editora, 2015.
LUSTOSA, Isabel. Insultos impressos: a guerra dos jornalistas na Independência, 1821-1823. São Paulo: Cia das Letras, 2000.
PEDREIRA, Jorge Miguel Viana; COSTA, Fernando Dores. D. João VI: um príncipe entre dois continentes. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Maud, 1999.
Este texto foi elaborado pelo pesquisador Davi Aroeira Kacowicz.