Panfleto “Às armas, cidadãos”

Às armas cidãos [cidadãos] É tempo às armas 
Nem um momento mais, perder deveis
Se à força da Razão os Reis não cedem
Das armas ao poder sedão [cedam] os Reis. 

O panfleto manuscrito que circulou pelas ruas do Rio de Janeiro por volta de setembro de 1821 – e muito provavelmente foi colado em muros e postes espalhados pela cidade – dava o tom do agito que andava rolando na capital do Império naquele ano. A quadrinha que resgata o verso d’A Marselhesa – o hino revolucionário francês, que tem um refrão que começa com “Aux armes, Citoyens!” – registra a forma como as ideias que um dia animaram uma revolução circulavam no centro da corte do príncipe regente D. Pedro.

Figura 1 — Rouget de Lisle cantando a Marselhesa. Isidore Pils, 1849, Museu Histórico de Estrasburgo / Wikimedia Commons. 

Só que toda aquela pompa e circunstância não passava do registro da retórica. Naquele ano, não havia clima para derrubar a dinastia dos Bragança. Que dirá decapitar o monarca, como ocorrera na França em 1789. Mas, se era preciso lutar por alguma mudança na ordem das coisas, que fosse pela constitucionalização do reino e a independência do Brasil. Em meio à sucessão de eventos desencadeados nos dois lados do Atlântico pelo movimento constitucionalista e revolucionário do Porto, muita gente passou a se incomodar com o cheiro de mofo do modelo absolutista – o “ancien régime”, como gostavam de chamar os republicanos radicais franceses há pouco mais de duas décadas.  

Figura 2 — Alegoria – A Constituição aceite pelos lisbonenses. António Maria da Fonseca, 1821. Coleção de gravuras da Sociedade Martins Sarmento.  
Ref: [SOARES, I, p.289-290, (n.º 100 -f); VASCONCELOS, p.20] 

A linguagem política do panfleto “Às armas, cidadãos” mostra muito bem o estilo do que, à época, foi chamado de “guerra literária”. A regra era simples: ganhava quem falasse mais alto. E a coisa toda ganha contornos ainda mais drásticos quando são considerados os “papelinhos” – documentos manuscritos que apresentavam uma modulação um tanto mais rudimentar que as versões impressas. O objetivo não haveria de ser mais claro: palavras de ordem contundentes e frases sem muitos floreios eram usadas com a intenção de serem lidas em voz alta e causar impacto sobre o maior número de ouvintes. Além, claro, de facilitar a compreensão da mensagem. Às vezes ostentavam uma retórica violenta e radical. Por serem instrumentos de comunicação rápida, não eram raros os erros de grafia. Pouco importava, desde que o recado fosse bem entendido – por letrados ou não – na praça pública.  

Figura 3 — Panfleto “Às armas cidadãos”, setembro de 1821. Lata 195, maço 6, pasta 13. Biblioteca Azeredo da Silveira do Ministério das Relações Exteriores, Brasília.  

Seja na forma de versos, proclamações ou avisos, os “papelinhos” manuscritos retomaram no Rio de Janeiro do século XIX a tradição dos panfletos que circularam nas revoluções inglesas do século XVII, na Guerra de Independência das Treze Colônias de 1776 e nos eventos da Revolução Francesa ao final do XVIII. Estes exemplares de algumas das armas específicas da vida política no mundo moderno, testemunham um momento de encruzilhada na nossa história, em que escolhas e decisões precisaram ser tomadas enquanto ideais de liberdade, autonomia e independência circulavam, cada vez mais, entre os brasileiros.  

Referências Bibliográficas 

CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lúcia; BASILE, Marcello. Às armas, cidadãos!: panfletos manuscritos da independência do Brasil (1820-1823). São Paulo: Companhia das Letras, 2012. 

CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lúcia; BASILE, Marcello (Org.). Guerra Literária: panfletos da independência (1820-1823). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. 

STARLING, Heloisa Maria Murgel; DE LIMA, Marcela Telles (orgs.). Vozes do Brasil: a linguagem política na Independência (1820-1824). Brasília: Edições do Senado Federal, 2021. 

Este texto foi elaborado pelo pesquisador Danilo Marques. 

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