Real Theatro de São João
Nos anos da Independência, o Real Theatro de São João, localizado na região do Rocio, desempenhou o importante papel de ponto de encontro entre as elites da corte. Nos corredores, escadarias e salões do São João, jogava-se o jogo de cena público, onde desfilavam cortesãos, funcionários públicos, militares e comerciantes com estima e trânsito nos meandros da política palaciana. Nesse teatro, não se interpretavam apenas peças teatrais: era arena para ver e ser visto. Manifestações em defesa ou ataque a figuras públicas, vindas dos camarotes e plateias não faltaram. Por décadas, as noites de gala, chás e espetáculos ali encenados fizeram do Teatro de São João um palco político, social e cultural como nenhum outro no Rio de Janeiro.
O dia da aclamação de d. Pedro, 12 de outubro de 1822, foi escolhido a dedo — era aniversário do imperador, que completava então 24 anos de vida. Mas a data também era comemorativa para o próprio teatro, inaugurado na ocasião do aniversário do príncipe bragantino nove anos antes, em 1813.
A construção do Real Theatro de São João fazia parte de uma série de transformações experimentadas no Rio de Janeiro por ocasião da transferência da família real portuguesa, em 1808. Em 1810, veio o decreto emitido pelo príncipe regente, d. João VI, instruindo a sua construção. A presença dos membros da realeza no Rio de Janeiro exigia que se erguessem espaços simbólicos como aquele, onde se consumia moda estrangeira, demonstrava-se etiqueta e se revelava uma vitrine das elites que disputavam atenção dos monarcas.
A sacada do prédio era um espaço privilegiado para anúncios e declarações. Um evento notório ocorreu em fevereiro de 1821: o então príncipe, d. Pedro se dirigiu à população em revolta, que exigia do rei, d. João VI, o juramento das bases constitucionais que vinham sendo elaboradas em Portugal pelos liberais da Revolução de 1820. O aceno positivo de d. Pedro deixou a multidão em êxtase. Naquele mesmo dia — e não podia ser diferente —, noite de gala no Teatro São João.
A Independência do Brasil trouxe a necessidade de se fabricarem símbolos, mitos de fundação e elementos que estampassem a brasilidade — ou melhor, uma ideia de nação. Nesse sentido, o Teatro de São João ostentou a primeira expressão oficial de um imaginário a respeito da fundação do Império do Brasil. A alegoria da formação nacional, desenhada pelo artista francês, Jean-Baptiste Debret, substituiria a estampa do pano de boca cortinado, ao fundo do palco do teatro, em que súditos portugueses se ajoelhavam perante o reino de Portugal.
O pintor não poupou na criatividade, imaginando um império pomposo e original. Negros, indígenas, mestiços, brancos; soldados, civis, mulheres, crianças; uma cornucópia com frutas tropicais, aos pés do trono, onde senta uma mulher, representando o próprio poder do império, com as matas verdes e abundantes ao fundo. A alegoria buscava seduzir e instigar o imaginário dos súditos daquele novo império a agir em sua defesa, tal qual as figuras da imagem.
Para prestigiar o imperador, o Teatro de São João mudaria de nome para “Imperial Theatro São Pedro de Alcântara”, em 1826.Vale notar que entre 1831 e 1839, o edifício foi chamado de Theatro Constitucional Fluminense. A troca expressa bem os ânimos políticos daqueles anos, quando d. Pedro I abdicou do trono (1831), e o Brasil entrou em um período regencial até que assumisse d. Pedro II, em 1840.
O local sofreu com alguns incêndios ao longo do século XIX. I No século XX, o prédio foi demolido para construção de um novo teatro, batizado em homenagem a um dos grandes atores do século XIX, João Caetano.
Referências bibliográficas:
ENDERS, Armelle. A história do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Gryphus Editora, 2015.
MARSON, Izabel Andrade; OLIVEIRA, Cecília Helena L. de Salles (orgs.). Monarquia, Liberalismo e Negócios no Brasil: 1780-1860. São Paulo: Edusp, 2013.
PEDREIRA, Jorge Miguel Viana; COSTA, Fernando Dores. D. João VI: um príncipe entre dois continentes. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
PORTO, Denise G. Maria Graham: uma inglesa na Independência do Brasil. Curitiba: CRV, 2020.
SHULTZ, Kristen. Versalhes tropical: Império, monarquia e a Corte real portuguesa no Rio de Janeiro, 1808-1821. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
STARLING, Heloisa Maria Murgel; DE LIMA, Marcela Telles (orgs.). Vozes do Brasil: a linguagem política na Independência (1820-1824). Brasília: Edições do Senado Federal, 2021.
Este texto foi elaborado pelo pesquisador Davi Aroeira Kacowicz.