É comum associar a palavra “monumental” a algo magnífico, imponente e grandioso. Esse adjetivo deriva da palavra “monumento”, de origem greco-latina, que significa lembrar, alertar e aconselhar. No entanto, um monumento não precisa ser estonteante para cumprir sua principal função, que é a de lembrar os vivos sobre um evento, uma ideia, um grupo de pessoas ou uma biografia. Sua importância reside, acima de tudo, em suscitar no público o ato de rememorar, transformando algo ou alguém em um ícone.

 

Não há uma grande cidade no mundo que não tenha seus monumentos, sejam eles estátuas, esculturas, monólitos, etc. Mas no Brasil, nenhuma outra cidade possui tantos marcos de memória quanto o Rio de Janeiro. Nas praças, avenidas e demais vias públicas da capital fluminense, há centenas de monumentos demarcando ideologias, imaginários, projetos políticos e sensibilidades estéticas de momentos diversos dos últimos cinco séculos. São peças de pedra e metal revestidas por camadas de história. 

 

E talvez, justamente pelo grande número dessas peças, há uma certa banalização em torno delas, diminuindo o questionamento sobre quem é a pessoa representada, quem a produziu, quando e porquê. É sempre bom lembrar que toda memória é um diálogo com o presente. Todo passado um dia foi presente. Por isso mesmo, a contextualização e o conhecimento da história desses monumentos é fundamental para sua significação e reconhecimento nos tempos atuais.

 

Heróis e símbolos pátrios são trocados com a velocidade da mudança de um governo ou regime, e os ídolos e referências do nosso imaginário cultural também se renovam. Assim, percebemos um conjunto de valores históricos (religiosos, políticos, culturais), representados de maneira plástica. O material, tamanho, o arranjo e a alocação destes objetos dizem muito sobre as intenções daqueles que os edificaram. “Toda imagem conta uma história”, disse o historiador inglês Peter Burke. Portanto, não seria absurdo dizer que de todo monumento emanam várias histórias.

Curadoria: Davi Aroeira Kacowicz

“uma solução mais comum para o problema de tornar concreto o abstrato é mostrar indivíduos como encarnações de idéias ou valores” (Peter Burke)

Desde a Antiguidade Clássica existe a prática de representar um governante de maneira triunfal. Os detentores do poder elegem personagens que representam algum marco histórico e os transformam em figuras a serem admiradas, exemplos para se espelhar. A escolha de quem e a maneira que ela é representada, estão presentes em uma escultura de maneira implícita (o conjunto de valores políticos personificados em torno da personagem retratada) e explícita (o gesto, a pose, o tamanho e o material da peça). 

 

Quando erguidas pelo poder institucional, essas estátuas revelam como um regime ou governante se vê e como ele quer ser visto — não literalmente, uma vez que a figura representada é outra, mas por analogia. A estátua equestre de Pedro I, por exemplo, diz muito sobre a consolidação de um projeto para o país, encabeçado pelo grupo conhecido como Saquaremas. Outro exemplo é a Estátua da Liberdade na Vila Kennedy, erguida no contexto da Guerra Fria, por meio de um programa chamado Aliança para o Progresso, selando um posicionamento pró-Estados Unidos pelo governo da Guanabara. Mais recentemente, num processo de renovação da história, outras lideranças, até então silenciadas, passaram a ser exaltadas, como João Cândido, o Almirante Negro, líder da Revolta da Chibata.

 

Não por acaso, as imagens possuem um poder de influenciar nossa imaginação (política, histórica, cultura) como nenhuma outra linguagem. Estátuas são testemunhas mudas e, ao mesmo tempo, eloquentes. 

Nas últimas décadas, os monumentos erigidos na cidade do Rio de Janeiro deixaram de seguir um viés eminentemente político e passaram a privilegiar escritores, poetas e músicos. A escolha de ícones da nossa cultura como merecedores de ser imortalizados em bronze possui ressonância com uma renovação no próprio entendimento da função social de um monumento. Ao invés de idolatrar governantes e integrantes do poder institucional, o Rio passou a reverenciar nomes que inspiram e alimentam o imaginário cultural coletivo. 

 

Após o processo de redemocratização dos anos 1980, uma nova compreensão sobre a importância da cultura na construção social e identitária do Rio pautou iniciativas públicas e privadas na instalação de monumentos na cidade. Haviam sim homenagens com esse caráter antes deste período — a estátua de Carlos Gomes, inaugurada em 1960, é um exemplo —, mas nada se compara ao boom dessas estátuas nas décadas de 1990, 2000 e 2010. 

 

Nem todos os homenageados são nascidos no Rio de Janeiro. As estátuas dos cariocas Tom Jobim, Pixinguinha e Noel Rosa dividem o espaço urbano com Carlos Drummond, Luiz Gonzaga e Dorival Caymmi — apenas para citar apenas alguns exemplos. Mas suas biografias se entrelaçam com a história da cidade, fazendo do Rio a capital cultural do país. E ao contrário das estátuas grandiosas, de caráter contemplativo, muitos dos monumentos aos nossos ícones culturais estão no nível do terreno, sentados em um banco, em uma mesa de bar, caminhando na orla da praia. Acessíveis ao público como seres comuns, porém imortais.

A afirmação da fé dos cariocas também se dá por meio de monumentos. À rigor, mesmo a lápide de um túmulo, com a inscrição do nome da pessoa ali sepultada, é um monumento — talvez o mais primordial de todos. Há milhares de anos, povos de todo mundo cultuam seus antepassados e entidades também por meio de estátuas e marcos.

 

A presença de monumentos religiosos no espaço urbano da cidade, como o Cristo Redentor — o maior símbolo do Rio de Janeiro e um dos principais pontos turísticos do Brasil —, ou o santuário de Zé Pelintra, reflete a importância da religião na formação da identidade carioca. Mesmo uma

 

O projeto colonizador europeu tinha como um de seus pilares a expansão da fé católica e a catequização compulsória das populações nativas. O próprio nome original da cidade, São Sebastião do Rio de Janeiro, confirma a relação intrínseca da cidade com a fé católica. Mas a despeito das tentativas de apagamento e conversão forçada, o Rio de Janeiro se forma a partir da pluralidade cultural e religiosa. 

Dentre os monumentos presentes nas ruas e praças do Rio de Janeiro, muitos poderiam ser lidos como apenas como obras de arte, e não objetos de memória. Peças que fazem do espaço público sua galeria. Entretanto, também esses objetos são carregados de intencionalidades, mensagens e histórias. 

 

Estátuas e bustos com rostos de personagens históricos são facilmente identificáveis como monumentos. Afinal, está-se rememorando aquela pessoa, celebrada por um conjunto de feitos, sua obra, sua biografia exemplar, etc. Mas e quando o monumento é sutil em sua comunicação, subjetivo em sua interpretação? Obras de artistas separados por séculos, como Mestre Valentim e Franz Weissmann, criam diálogos estéticos e históricos em diferentes pontos da cidade.

 

Ao contrário da representação humana das estátuas, esculturas e construções que embelezam a cidade se comunicam com o público pelo viés do sensível. O Rio de Janeiro possui esculturas, expostas no espaço público, mas ao contrário do que se poderia supor, não são apenas elementos decorativos, mas também espaços de reflexão e ressignificação. Elas criam um diálogo entre o contexto em que foram inseridas e o presente. Convidam os espectadores a uma experiência sensorial, mas composta de camadas de histórias. Cada linha, cada textura esculpida, carrega o peso de sua história, ao mesmo tempo em que oferece a possibilidade de novas leituras e interpretações, reafirmando seu papel como guardiãs da memória e como pontos de ancoragem entre o passado e o futuro.

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