Chafariz do Mestre Valentim

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Johann Jacob Steinmann, Largo do Paço – 1839. À direita, estão as bicas do chafariz. Pinacoteca do estado de São Paulo

Até meados do século XIX, poucos lugares eram tão movimentados no Rio de Janeiro quanto o Chafariz da Pirâmide ou Chafariz do Mestre Valentim, como é mais conhecido atualmente. Sua posição estratégica à beira do Cais do Porto, tornava-o um verdadeiro ponto para encontros, conversas e atividades comerciais. À noite, o local se transformava em palco para planos e conspirações, como no caso da Conjuração Carioca. Havia um  intenso vai-e-vem e vozerio de vendedores ambulantes, negros de ganho, funcionários públicos, marinheiros recém-chegados, estacionados ou de partida, caixeiros-viajantes, tropeiros, pequenos e ricos comerciantes, soldados e ministros. 

O artista francês Jean-Baptiste Debret — principal responsável pelos registros visuais do Rio de Janeiro entre as décadas de 1810 e 1830 — assim detalhou uma cena cotidiana:

Por volta das quatro horas da tarde que se veem os pequenos capitalistas chegarem de todas as ruas adjacentes ao largo do Palácio, para se sentarem nos parapeitos do cais, onde têm o costume de vir sentir à fresca até a Ave Maria (das seis às sete horas da tarde). Em menos de meia hora todos os lugares estão tomados.

Praça XV com o chafariz do Mestre Valentim e uma intensa presença de comerciantes e demais trabalhadores da região portuária. Século XIX. Jean-Baptiste Debret, Museu Castro Maya

O chafariz do Mestre Valentim foi inaugurado em 1789 no lugar de outra fonte, de autoria do engenheiro militar português José Fernandes Pinto Alpoim, erguida por volta de 1747. Quatro décadas depois, a região da Praça XV (à época conhecida como Largo do Carmo)   foi restaurada, como parte de uma série de obras de saneamento, abastecimento e embelezamento da cidade, ocorridas sob o governo do vice-rei D. Luís de Vasconcelos. Um novo chafariz foi encomendado ao exímio Mestre Valentim — artista negro, nascido em Minas Gerais por volta de 1745, e responsável também pelas obras do Passeio Público e uma série de trabalhos nos interiores das igrejas cariocas. As águas chegavam às bicas do chafariz após descer pelo Aqueduto da Carioca — hoje conhecido como Arcos da Lapa. E o mar, que chegava até suas escadarias, foi se afastando com os sucessivos aterros na região, na segunda metade do século XIX e início do XX.

A brazilian slave a carrier of water, Anônimo, c.1825. Fundação Biblioteca Nacional

A pedra que predomina na construção é o granito e alguns detalhes da cantaria são feitos de gnaisse branco (pedra de galho), que oferecem contraste com a pedra acinzentada. O corpo prismático do chafariz é rodeado por uma balaustrada – espécie de ‘grade’, neste caso feita em pedra – que funcionava como guarda-corpo para as pessoas que subiam até a parte de cima, por meio de uma escada no interior do chafariz. 

As duas escadas que levavam para o mar estão retratadas em diversas obras de viajantes, como nesta gravura de Thierry Frères, a partir do original de Jean-Baptiste Debret. As escadarias só foram “redescobertas” a partir de escavações feitas na década de 1980, e agora é possível ver seus degraus de pedra novamente ao lado do chafariz.

Thierry Frères (a partir de Jean-Baptiste Debret) Vista da Praça do Palácio. No centro da imagem, o chafariz do mestre Valentim. Fundação Biblioteca Nacional

Como esta é uma obra do Brasil colonial, há elementos que remetem à coroa portuguesa como a esfera armilar — importante objeto da tecnologia náutica no período das “grandes navegações” —, no topo da pirâmide. 

Um dos símbolos do barroco carioca, o chafariz do Mestre Valentim não desempenha mais a função original de abastecer de água a população carioca, mas conserva sua beleza e convida os passantes de hoje a imaginar o Rio de antigamente.

Carlos Luís da Cruz/IPatrimônio

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