O Sermão da Montanha de Cildo Meireles
A ampla maioria das exposições que ocorrem em uma cidade como o Rio de Janeiro são fugazes e, apesar de registros, se tornam parte menor da história das artes visuais da cidade. Outras, porém, se tornam eventos que marcam uma geração. É o caso de O Sermão da Montanha: Fiat Lux, instalação que Cildo Meireles apresentou em 25 de abril de 1978 na recém-criada Galeria Cândido Mendes, localizada em Ipanema.
De origem carioca, mas com boa parte da juventude passada entre Goiânia, Belém e Brasília, Cildo Meireles é um dos principais nomes que surgiram na segunda metade do século XX. Residente do Rio de Janeiro desde final da década de 1960, participou ativamente da cena experimental que se organizou na cidade na década de 1970. Com O Sermão da Montanha ele se estabeleceu de vez como um artista cuja relação entre política e estética se dava de forma engenhosa – e perigosa.
O ambiente que Meirelles criou na galeria consistia em oito espelhos com frases retiradas do texto bíblico de Mateus 5, 3-10, em que o sermão de Cristo anuncia as bem-aventuranças para os que seguirem a palavra de Deus. No centro desse espaço, 126.000 caixas de fósforo Fiat Lux formavam uma escultura montada em cima de um chão de lixas pretas, que amplificava o som dos passos de quem circulava pelo espaço. Ao redor das centenas de caixas empilhadas, cinco seguranças de aparência ameaçadora (na verdade atores contratados simulando policiais à paisana) vigiavam a obra. Um dos pontos mais marcantes da exposição é que, como um happening, ela durava apenas 24 horas.
O trabalho, que já vinha sendo pensado desde 1973 e havia sido recusado por duas galerias, trazia em sua proposta uma série de signos ligados ao longo período de violência e medo que artistas e parte da população viviam durante o regime civil-militar. A iminência do fogo, os policiais à paisana, os avisos ostensivos de perigo e proibição de fumar, sobrepostos ao sermão de Cristo, deram ao trabalho um tom agônico e marcante para os que o viram. O anúncio da obra de Cildo circulava com expectativa na crítica local devido aos materiais reunidos e o tempo efêmero da ação. Nas palavras de Roberto Pontual, publicadas no Jornal do Brasil, o trabalho “nos leva ao mergulho numa realidade que parece toda ausente dali, retirada de nossos olhos: a contingência de um Brasil recente, as formas e os modos de conflito, os subterrâneos de pressões e repressões, as tensões como uma bomba prestes a acender-se e explodir”.