O Plano Agache

O debate sobre a arquitetura moderna no Brasil foi decisivo para que a consciência urbana no Rio de Janeiro amadurecesse e resultou no seu primeiro plano diretor, o Plano Agache. A escolha de Alfred Agache para desenvolver a remodelação da cidade envolveu muitas questões que foram da política à estética. O contexto era o final da década de 1920, quando a tensão em torno da possibilidade de uma guerra mundial e a participação americana nas diretrizes gerais do desenvolvimento do capitalismo colaboraram para que o modernismo assumisse uma posição relevante no urbanismo. A racionalidade passou a ser o elemento determinante nas mudanças urbanas.

Donald Alfred Agache. Foto do Consulado Geral do Brasil em Paris,1939 – Wikimedia Commons.

O Rio de Janeiro, como capital do país, recepcionou esses debates e dividiu opiniões. Havia a possibilidade de escolher entre a ousadia e a radicalidade modernista de Le Corbusier ou o modernismo bem-comportado de Agache, que valorizava o espaço urbano como capital e mercadoria através do processo de verticalização, utilizando a novidade do “arranha-céu”. Agache foi o escolhido.

O Plano Agache possuía diretrizes distintas daquelas que até então motivaram as alterações espaciais, pois definiu a estratégia de entrada da cidade na estética modernista, que tinha como perspectiva o estilo art déco. O novo plano não era uma unanimidade, e havia as pressões do Clube de Engenharia, que criticava a escolha de engenheiros estrangeiros. 

O avanço do capital imobiliário resultou na ocupação da orla sul, dando início à diferenciação entre a zona sul e a zona norte. Alguns bairros abandonaram as características aristocráticas para receber novas instalações fabris, como a Tijuca e Vila Isabel. 

Na esteira desse desenvolvimento, houve um aumento da burocracia do Estado e a expansão dos serviços na cidade capital, no seu processo de se apresentar como espaço modernizado e cosmopolita. 

A Revolução de 1930 abriu espaço para a hegemonia do capital financeiro internacional, e a cidade, que já possuía, no início do século XX, mais de 800 mil habitantes, demandou mudanças para se adequar a essa nova conjuntura. 

A Reforma Passos havia rasgado a cidade e indicado as linhas de força de seu desenvolvimento. A avenida Central, depois avenida Rio Branco, foi a primeira diagonal que ligou duas radiais: a avenida Beira-Mar, na direção da zona sul, e a avenida Rodrigues Alves, em direção à zona norte, reforçando o caráter exportador do país, pois esse circuito de avenidas enfatizava o novo porto da cidade.

Vista aérea da av. Rodrigues Alves, região da Leopoldina -Centro, Rio de Janeiro, RJ – Fotografia de Jorge Kfuri – Instituto Moreira Salles.

As mudanças mais importantes, no entanto, ocorreram na década de 1920, quando da administração de Carlos Sampaio na prefeitura, que, voltado para o crescimento imobiliário da cidade, participou da ação mais discutida e necessária para o desenvolvimento do Plano Agache, alguns anos depois: a demolição do morro do Castelo. A polêmica em torno da demolição colocou, de um lado, aqueles que defendiam o arrasamento dos morros da cidade como condição de melhora da sua salubridade, e de outro, os que defendiam as tradições históricas da cidade e que viam no morro do Castelo o elemento de memória da sua fundação.

Demolição total do morro do Castelo. Entre os escombros, é possível ver as ruínas da Igreja de São Sebastião. Augusto Malta, 14/10/1922.  Rio de Janeiro, RJ –                   Instituto Moreira Salles.

A derrubada do morro do Castelo criou um espaço novo e necessário para a realização do grande evento de comemoração do Centenário da Independência do Brasil, em 1922, além de liberar uma grande área para a especulação imobiliária. A terra do desmonte aterrou uma área de enormes proporções na baía da Guanabara, entre a praia de Santa Luzia e a praia do Russel, onde foram construídos os grandes pavilhões da Exposição Internacional do Centenário da Independência.

Vista parcial dos pavilhões da Exposição Internacional do Centenário da Independência do Brasil. Fotografia de Augusto Malta, 1922. Esplanada do Castelo, Rio de Janeiro, RJ – Instituto Moreira Salles.

A presença de um homem da política paulista na prefeitura, que não conhecia a história da cidade do Rio, ajuda a compreender a escolha de Alfred Agache, em 1926. Antônio Prado Júnior, cuja experiência em administração pública se resumia à direção de um clube de futebol em SP (Atlético Clube Paulistano), era um típico representante das oligarquias. Essa experiência paradoxal na prefeitura decorreu da ausência de eleições para o cargo de prefeito, que era indicação direta do presidente da República e, nessa altura, o objetivo da remodelação da cidade do Rio de Janeiro era desenvolver a infraestrutura e o embelezamento do Centro, para ampliar a recepção dos investimentos externos na capital. Essa estratégia excluía do plano o protagonismo das camadas populares, mas, ao mesmo tempo, visava a desenvolver perspectivas que pudessem, a médio prazo, fazer com que os setores médios, incorporados à remodelação, passassem a apoiar as políticas do Estado. Com esse apoio, haveria o restabelecimento da ordem, isolando os interesses populares.

Como consequência dessa conjuntura, Antônio Prado Júnior optou por contratar um urbanista francês de renome internacional, que reunia as qualidades suficientes para unir o modelo de cidade europeia com a renovação política que estava sendo encaminhada, abrindo espaço para a burguesia urbana, ainda fascinada pela estética francesa. Alfred Agache se encarregou, então, do primeiro plano diretor da cidade, entre 1926 e 1930, que enfatizava a remodelação pensada enquanto adequação racional e funcional aos interesses do capital financeiro e o embelezamento como mecanismo de revitalização da força da nação e do desenvolvimento do sentimento nacional.

A base do Plano Agache era a renovação da dimensão físico-territorial, e não a preparação da cidade para o desenvolvimento. Era uma intervenção pontual, que deveria se limitar ao Centro, lugar por excelência das negociações financeiras. Para tanto, seria preciso realocar valores, melhorando as edificações, a ordenação dos arruamentos e a circulação, acelerando o movimento sem congestionamentos. O aspecto visual era relevante para Agache, o que denuncia sua formação na École des Beaux-Arts de Paris, representada pela ênfase na combinação entre monumentalidade e academicismo. Entretanto, no plano do Rio, o que fica mais patente é a adequação do academicismo à funcionalidade e à objetividade modernistas. Essa faceta revela uma aproximação de Agache com o urbanismo americano da Escola de Chicago, que incentivou a construção dos arranha-céus, aproximando-o do City Beautiful Moviment, movimento arquitetônico e urbanístico, que floresceu final do século XIX nos Estados Unidos, com o intuito de embelezar as cidades através dos grandes monumentos.

“Perspectiva aérea do centro monumental e dos bairros de intercâmbio e dos negócios” (p.149). Imagem do livro Cidade do Rio de Janeiro: extensão-remodelação-embellezamento. Prefeitura do Rio de Janeiro, 1930. Biblioteca Nacional.

 Entretanto, por mais abertura que Agache tivesse para as novidades modernistas, sua concepção de cidade ainda se configurava em concebê-la como um organismo vivo, que seria a metáfora da própria vida humana, em que o funcionamento da cidade seria representado pelo metabolismo corporal. Assim, as praças, as avenidas e os jardins seriam os pulmões da cidade, o seu sistema aeróbico. As ruas seriam como as veias do corpo humano e fariam parte do sistema circulatório, tendo como função levar a vida até o coração da cidade: o Centro. Por fim, o aparelho digestivo seriam os esgotos. Esse mecanismo estrutural-funcionalista deveria ser baseado no bom funcionamento de cada parte que compõe o sistema geral, realizando o objetivo da harmonia entre as partes e o todo. A anomia ou disfuncionalidade do sistema geraria “doenças” na cidade.

No que diz respeito às favelas, Agache as considerou cidades-satélites de formação espontânea, compostas por uma população variável e avessa à higiene, que deveria ser civilizada, habitando casas populares a serem construídas. O ordenamento do Rio teria como pressuposto a combinação entre legislação urbana e zoneamento, ou seja, a atribuição de funções a cada espaço, com o objetivo de alterar a cultura urbana através de mudanças nas relações sociais e fazendo da cidade um agente de transformações de hábitos e de costumes, o que resultaria em uma cidade moderna. Com essa naturalização, o Rio e sua vida girariam em torno da sua função político-administrativa como capital e da função econômica como porto e mercado. 

Com a construção da Esplanada do Castelo, as novas ruas que cortaram a Rio Branco acabaram por renovar a obra de Pereira Passos. A remodelação de Agache, concentrada no Centro e aberta para a zona sul, confirmou o que já funcionava como vivência das diferenças no cotidiano carioca. A avenida 13 de Maio, o Tabuleiro da Baiana e o Largo da Carioca articulavam o sistema de circulação para a zona sul, enquanto a praça Tiradentes e o largo de São Francisco faziam o mesmo para a zona norte. Antes ainda da avenida Presidente Vargas, a Rio Branco já estava dividida entre sul e norte. A dimensão popular das diversões da praça Tiradentes contrastava com o refinamento dos cinemas da Cinelândia. Alfred Agache, projetou a cidade burguesa, dando a ela um centro diferenciado: a Cinelândia, a Broadway brasileira.

Desenho do projeto que Alfred Agache para a praça do Castelo. –  Imagem do livro Cidade do Rio de Janeiro: extensão-remodelação-embellezamento. Prefeitura do Rio de Janeiro, 1930. Biblioteca Nacional.

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