Largo do Rossio

Nos anos da independência do Brasil, poucos lugares do Rio de Janeiro eram tão movimentados quanto o largo do Rossio — a atual praça Tiradentes. Ali, passavam cotidianamente homens de pequenos negócios, profissionais liberais, africanos livres e escravizados, ciganos, altos comerciantes, ministros de Estado e a própria realeza — quando não eram residentes da região. O amplo espaço não apenas era local de grande movimentação de pessoas e grupos socioeconômicos diversos e endereço de prédios importantes para a cidade, mas palco de eventos que mudaram a história da cidade — e do Brasil.

Figura 1 — Aceitação provisória da constituição de Lisboa,
no Rio de Janeiro. Jean-Baptiste Debret, 1839, Fundação Biblioteca Nacional

O Rossio mudou radicalmente de feição após a chegada da família real portuguesa ao Brasil. Antes disso, era um grande descampado com águas empoçadas e pestilentas, onde se abrigavam populações pobres. Ficou conhecido como campo dos Ciganos — justamente por ter abrigado dezenas de famílias ciganas, degredadas de Portugal pelo rei, d. João V, em meados do século XVIII.

Com a transferência da corte, em 1808, foi instalado, no Rossio um pelourinho — um obelisco, cuja finalidade era ser um espaço simbólico de poder, onde eram lidos decretos reais e executadas sentenças públicas, como castigos em escravizados. Mas a maior transformação veio mesmo, quando d. João VI ordenou a construção de um grande teatro que correspondesse aos altos padrões da elite palaciana que orbitava a família real.

Com a inauguração do Real Teatro de São João, em 1813, o Rossio se tornou o coração da vida noturna da elite carioca, com apresentação de espetáculos e festas luxuosas. No dia da aclamação de d. Pedro I como imperador do Brasil — assim como em outros momentos-chave ocorridos no Rio de Janeiro durante o processo de Independência —, o dia terminou numa noite de gala no Real Teatro. No jogo de cena da Corte, essas elites buscavam mais estabelecer e ampliar redes de sociabilidade e influência do que contemplar os concertos, leituras, dramaturgias e demais apresentações do palco do São João. Nesse sentido, não havia melhor lugar para ver e ser visto no Rio de Janeiro.

Nessa época, pipocaram palacetes e casarões pelo bairro — empreendimentos tocados por ricos proprietários. A ideia era simples: fazer de lá um espaço ocupado pelas elites frequentadoras do Real Teatro, ao mesmo tempo que se varreria para longe o caráter popular da região. Objetivo em parte alcançado, as mansões foram construídas e habitadas por condes e viscondes. Mas a população mais pobre continuaria a circular pelo espaço. E mais, os novos moradores chamavam a atenção de ladrões. Em um dos roubos praticados, furtaram ninguém menos do que José Bonifácio. Apelidado por alguns de “o velho do Rossio”, o político mais influente dos anos da Independência teve sua casa invadida em setembro de 1822.

Figura 2 — Theater Platz [Praça do Teatro]. Thomas Ender c.1817,
Academia de Belas Artes, Viena

A importância conquistada por José Bonifácio ao lado de d. Pedro fez o príncipe — e depois imperador — recorrer dia sim e dia também ao seu ministro, em busca de conselhos para resolver questões de governo. Na maioria das vezes, era o monarca que se deslocava ao Rossio — ao invés de o ministro se dirigir ao palácio real, na Quinta da Boa Vista. Conta-se que, quando d. Pedro ia até a casa do ministro, o comentário dos passantes no largo era de que, na casa de Bonifácio, encontrava-se seu ajudante de ordens, o príncipe.

Em fevereiro de 1821, o largo do Rossio foi palco de um levante de tropa e povo. Os revoltosos exigiram do rei, d. João VI, um juramento de obediência às bases constitucionais que regeriam o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, e que naquele momento estavam sendo formuladas por uma assembleia reunida em Lisboa. A Revolução do Porto atravessou o oceano, militares e populares se reuniram no largo do Rossio, defendendo os mesmos ideais constitucionalistas que mobilizaram os revolucionários portugueses no ano anterior, em 1820. Pressionado, d. João VI cedeu às exigências dos revoltosos, jurando obedecer a constituição que ainda viria nascer. Após o episódio, o largo do Rossio passou a ser chamado oficialmente de praça da Constituição.

Figura 3 — Planta da muito leal e heroica cidade de São Sebastião
do Rio de Janeiro [detalhe, com o Largo do Rossio ao centro]. John Edgar Ker, 1852, Fundação Biblioteca Nacional

Referências Bibliográficas

ENDERS, Armelle. A história do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Gryphus Editora, 2015.

MARSON, Izabel Andrade; OLIVEIRA, Cecília Helena L. de Salles (Orgs.). Monarquia, liberalismo e negócios no Brasil: 1780-1860. São Paulo: Edusp, 2013.

PEDREIRA, Jorge Miguel Viana; COSTA, Fernando Dores. D. João VI: um príncipe entre dois continentes. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

SHULTZ, Kristen. Versalhes tropical: Império, monarquia e a Corte real portuguesa no Rio de Janeiro, 1808-1821. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

Este texto foi elaborado pelo pesquisador Davi Aroeira Kacowicz.

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