A crônica inventa o carioca
Desde o século XIX, o gênero ligeiro da crônica era um dos preferidos dos leitores e escritores cariocas. Os principais nomes de nossa literatura dominaram com maestria essa forma breve e cotidiana, feita para sucumbir com a edição diária dos jornais e revistas de cada época. Com José de Alencar e Machado de Assis como dois fundadores do modo carioca de escrever a crônica, cada geração apresentou nomes fundamentais para a evolução do gênero.
Olavo Bilac, Lima Barreto, João do Rio e o jovem Manuel Bandeira são autores consagrados em seu tempo que passaram o bastão para a geração de Cecília Meireles, Marques Rebelo, Rubem Braga, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Vinícius de Moraes, Mario Quintana e Paulo Mendes Campos.
A partir da década de 1950, a crônica ganhou ainda mais força, fazendo com que alguns dos melhores nomes de nossa literatura se tornassem referências eternas – casos de Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade e Nelson Rodrigues.
Nessa lista ainda podemos citar nomes incontornáveis como Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto), Antônio Maria, Otto Lara Resende, Carlinhos Oliveira, Carlos Heitor Cony e Elsie Lessa.
As crônicas dessas gerações foram construindo um painel multifacetado do Rio de Janeiro e seus habitantes. Curiosamente, muitos dos cronistas que se destacaram ao longo das décadas douradas do gênero (1940-1980) não eram cariocas de nascimento, mas escolheram a cidade como morada e imaginação literária.
Na passagem da década de 1930 para 1940, quando o Brasil mudou seu perfil político e adentrou um longo período governado por Getúlio Vargas, um autor se firmou como o maior escritor de crônicas no país: o capixaba Rubem Braga, que desde muito jovem colaborava com jornais de sua cidade. Braga apareceu nos jornais cariocas na década de 1940 e redefiniu para as gerações posteriores, não só o estilo das crônicas – mais literárias e concisas – como o próprio papel do escritor de literatura nos jornais.
Desde seu primeiro texto publicado no Diário da Tarde, em Belo Horizonte, no ano de 1932, já como cronista Rubem Braga escreveu na imprensa de diferentes cidades, como Recife, Porto Alegre e São Paulo – onde escreveu para o Diário de São Paulo e teve suas crônicas lidas em todo o país, por conta da republicação nos jornais dos Diários Associados de Assis Chateaubriand.
Ao tentar fixar domicílio no Rio, na década de 1940, para escrever reportagens para o Diário Carioca, Rubem ainda teria que fazer viagens, fosse por motivos políticos ou profissionais. A partir da década de 1960, morando definitivamente no Rio – em sua famosa cobertura em Ipanema -, ampliou sua fama e se tornou uma referência intelectual e boêmia da cidade.
De qualquer maneira, onde estivesse, seu olhar fino de cronista seguiria influenciando uma geração inteira de escritores e poetas. Sua obra produziu um olhar definitivo e lírico para cenários cariocas, como as praias, os subúrbios, os bares e as esquinas da cidade.
Foi, aliás, nos anos 1960, que a crônica ganhou um caráter definitivo de gênero carioca, com nomes expressivos do gênero nas páginas do Jornal do Brasil, tais como Clarice Lispector, autora de algumas das crônicas mais literárias de sua geração, o mineiro Carlos Drummond de Andrade e Carlinhos Oliveira, capixaba da mesma cidade de Rubem Braga, porém, carioquíssimo nos seus textos escritos em mesas de bar de Copacabana, Ipanema e Leblon. Em O Globo, a cidade se deliciava com as crônicas provocadoras do dramaturgo e escritor pernambucano Nelson Rodrigues.
Essa fartura de cronistas de primeira linha deu ao gênero uma força que ecoou por décadas, com os textos de Ivan Lessa, Millôr Fernandes, Aldir Blanc, Joaquim Ferreira dos Santos e tantos outros que seguem fazendo do dia a dia do carioca a matéria fina de suas impressões literárias.