Romances de uma cidade cosmopolita

Com a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889, não era só o regime político do Brasil que mudava. Na capital do país, o meio literário também assistia a uma nova configuração. Com a morte de Machado de Assis em 1908, o último grande nome literário do Império deixava espaço para uma nova geração de escritores – não sem antes legar para as novas gerações o derradeiro e carioquíssimo romance Memorial de Aires. Após as transformações que a década de 1880 apresentara – saindo os apelos emotivos do romantismo em prol das teorias cientificistas e racialistas do naturalismo e do positivismo – o novo século iniciava um ciclo literário em que a cidade e seus habitantes estariam cada vez mais presentes.  

Autógrafo de Machado de Assis para José Veríssimo na primeira edição de Memorial de Aires, 1908. Fonte: Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin

O período que viria a ser chamado de Belle Époque tropical adensava a presença do poder político – e policial – entre uma população com uma fatia pequena de escolarizados e uma presença maciça de ex-escravizados e seus descendentes. Essa convivência produzia um choque entre a formalidade das instituições burguesas republicanas e a informalidade de espaços urbanos abandonados pelas mesmas instituições.  

A reforma de Pereira Passos na primeira década de 1900 fez com que a capital da República fosse, mais do que nunca, modelada a partir de um ideal europeu, francês em particular. Seus novos parques, edifícios prestigiosos – como a monumental Biblioteca Nacional -, avenidas à beira-mar e bairros abastados contrastavam com a presença de cortiços, insalubridades sanitárias e uma ocupação cultural popular e multiétnica que tomava as ruas da cidade – o maxixe, o samba, o carnaval, teatro de revista, as orquestras de barbeiros ou circos. Entre os dois extremos, uma miríade de migrantes: italianos, franceses, ciganos, árabes, judeus e demais tipos que enriqueciam o tecido social e a paisagem da cidade.  

Nesse cenário, a literatura ganhava status crescente. Se nas décadas anteriores o “homem de letras” se profissionalizava na imprensa, a partir de 1900 o que vemos é uma autonomia maior do mercado editorial. Ainda assim, os jornais seguiam como espaço incontornável de trabalho, em um período em que era praticamente impossível viver apenas da venda de livros de ficção ou poesia.  

Isso não quer dizer que a literatura do período não tenha produzido seus best-sellers e ídolos populares. Nomes como Coelho Neto e Benjamin Costallat estavam entre os principais prosadores de seu tempo e obtiveram sucesso, cada um à sua maneira – bem distinta uma da outra.  

Retrato de Coelho Neto. Fonte: Academia Brasileira de Letras

Coelho Neto (1864-1934), tratado com reverência em meios intelectuais e pela elite da cidade, era um escritor extremamente produtivo e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Atravessou o século publicando livros de diferentes temáticas, como Turbilhão, romance de sucesso de 1906, e Cidade Maravilhosa, livro de contos dedicados ao Rio, de 1928. Porém, o movimento Modernista de São Paulo considerava a obra de Coelho Neto uma literatura brasileira que deveria ser superada e seu nome caiu no ostracismo, apagando a fama imensa que tinha no Rio e no Brasil.  

Já Costallat, outro autor que virou celebridade nesse período, tornou-se o maior best-seller da República, com Mademoiselle Cinema, sucesso maldito publicado em 1923. Cronista atuante e redator da imprensa carioca desde 1918, já havia publicado quatro livros, cujas temáticas da modernidade urbana – o cinema, a máquina, o cosmopolitismo e as capas de design impecável – davam o tom.  

Retrato de Benjamin Costallat. Fonte: Biblioteca Nacional

Com o escândalo ao redor de Rosalina – a personagem livre de Mademoiselle Cinema, cuja figura da melindrosa criada pelo artista J. Carlos foi a inspiração do escritor – Costallat viu seu livro ser recolhido um ano depois (a pedidos da Liga da Moralidade). Mesmo assim, se tornou o mais vendido de seu tempo, atingindo o incrível número de 75 mil exemplares em cinco anos.  

Os dois escritores retratam dois extremos do que era o meio literário carioca dessas primeiras décadas do século XX. De um lado, o sucesso erudito, ligado a uma ideia local de alta cultura e bom uso da língua; do outro, a escrita popular e comercial que retrata uma cidade em pleno movimento moderno e maquínico. Entre os extremos de Neto e Costallat, porém, outros escritores de destaque fizeram a literatura carioca crescer em quantidade de autores, temas e espaços.  

De Adelino Magalhães e seu impressionismo inovador a Orestes Barbosa e seus relatos urbanos da marginalidade, de Medeiros e Albuquerque a Júlia Lopes de Almeida, de Ribeiro Couto a Humberto de Campos, e críticos como José Veríssimo e Araripe Junior, passando pela presença marcante de Euclides da Cunha, essa foi a geração que buscou fazer do ofício das letras um meio mais estável de atuação.  

Ainda com interface com a imprensa e o serviço público, conexão permanente com a língua francesa e suas escolas estéticas e intelectuais, a cidade do Rio de Janeiro se tornava palco e plateia para histórias de suas ruas, seus tipos e suas vozes.  

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