26 de fevereiro de 1821 – Levante no Largo do Rossio
Na madrugada do dia 26 de fevereiro de 1821, o Rio de Janeiro acordou com o som da artilharia. Uma multidão feita de soldados — sob o comando do tenente general Jorge de Avilez Zuzarte de Sousa Tavares — “bem providos de pólvora e bala morrões acesos e promptos”. Além de outras mil pessoas “de todas as classes desta Capital”, que se mobilizaram no largo do Rossio (atual praça Tiradentes), dispostas a fazer valer a sua vontade. A ideia era exigir que o rei, d. João VI, jurasse as bases constitucionais elaboradas pelas Cortes — uma assembleia deliberativa reunida em Portugal, resultante de um movimento liberal que tomou as cidades do Porto e Lisboa, entre agosto e setembro de 1820.
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Museu de Lisboa.
O modelo absolutista era posto em xeque. O Rio de Janeiro aderia ao constitucionalismo e demandava que seu soberano fizesse o mesmo.
A notícia de que um movimento revolucionário explodira em Portugal aportou no Rio de Janeiro, em outubro de 1820. O rei, porém, não demonstrou uma clara reação. Isso fez fomentar rumores entre a população simpatizante ao movimento constitucionalista. Porém, enquanto esses temiam uma reação contra si, d. João VI saía de vista, chegando a manter o nascimento de seu neto — e futuro herdeiro do trono — em segredo. Temia-se que a população convertesse o anúncio numa ocasião para o forçar a jurar a constituição.
Semanas antes do “enthusiasmo que em todas as classes de habitantes desta Capital [resultou o] memorável Dia 26 de Fevereiro”, como afirmou um texto da época, os conselheiros do rei trocavam relatórios sobre “conversações incendiárias” nas ruas fluminenses.
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do Rio de Janeiro. – Bahia, 1821. Biblioteca Nacional de Portugal [purl.pt/36145]
Buscando tomar as rédeas da situação, d. João VI emitiu, no dia 23 de fevereiro, um decreto em que admitia a elaboração de uma constituição, mas não reconhecia o caráter deliberativo das Cortes. Esse papel caberia à Coroa.
Em vez de acalmar a situação, o decreto provocou “a falaria mui grande no público”, como observou um residente. Um panfleto pregado na porta do palácio não poderia ser mais direto: “Não é atribuição do Rei dar Lei para o povo, mas dele a receber”. Uma conspiração foi posta em marcha, e, no dia 26 de fevereiro, povo e tropa se aglomeraram no Rossio, denunciando “Ministros máos, Conselheiros pérfidos, e Cortesãos desmoralizados”, e exaltando o modelo constitucionalista — não o afirmado por d. João, mas pelas Cortes lisboetas.
A situação se amenizou com a chegada do príncipe d. Pedro ao largo do Rossio. Em nome do rei, jurou fidelidade às bases constitucionais das Cortes de Lisboa. Pela manhã, o rei d. João ratificou em praça pública as promessas feitas pelo filho. O povo, exultante, “desatrelou os cavalos e puxou a pulso, do Rossio ao largo do Paço, o coche de d. João”. À essa euforia, se seguiu uma “grande gala” no Teatro de São João, e a cidade se iluminou em festa por nove dias.
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Félix-Emilie Taunay, Rio de Janeiro. c.1821. Museu Nacional.
O tamanho da manifestação — e principalmente as tropas munidas de pólvora e muita disposição — deixou d. João VI ressabiado. Dias depois do motim no largo do Rossio, o monarca anunciou seu regresso para Portugal. Mas o príncipe ficaria em solo brasileiro, como regente.
A novidade sacudiu o Rio de Janeiro. E a sorte do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves estava lançada.
Referências Bibliográficas
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STARLING, Heloisa Maria Murgel; DE LIMA, Marcela Telles (orgs.). Vozes do Brasil: a linguagem política na Independência (1820-1824). Brasília: Edições do Senado Federal, 2021.
Este texto foi elaborado pelo pesquisador Davi Aroeira Kacowicz.