José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838)
José Bonifácio é comumente chamado de “Patrono da Independência do Brasil”. O título não é pouca coisa — para dizer o mínimo. Mas a alcunha vultosa também não diz tudo sobre seu “patriarca”. Considerado por muitos um notório estadista, foi sim um homem culto, sagaz e imbuído de espírito público. Porém, Bonifácio era também autoritário, polemista, antirrepublicano — e incorrigível mulherengo.
Apesar de ser lembrado por seu papel enquanto homem público, entrou tarde na política palaciana. Em vias de se tornar sexagenário, pensava em viver uma vida dedicada aos estudos de mineralogia e agricultura — matérias em que era especialista — na sua terra natal, Santos. A explosão da Revolução do Porto, em 1820, no entanto, lhe renderia destino oposto.
José Bonifácio teve papel central nos acontecimentos do Brasil entre 1821 e 1823. Primeiro, nos enredos locais, na província de São Paulo, — onde gozava da influência de seu sobrenome. Foi eleito vice-presidente do governo provisório que se formava. Era “vice” apenas no título, assumindo de fato os rumos da província. Mesmo não estando presente nas Cortes, em Portugal, seus irmãos Antônio Carlos e Martim Afonso ecoavam suas proposições em Lisboa.
Seu destaque à frente da deputação paulista chamou atenção de D. Pedro. Quando a delegação paulista chegou ao Rio de Janeiro, dias após o “Fico”, no dia 9 de janeiro de 1822, foi chamado pelo príncipe para assumir a pasta de Reino e Estrangeiros, tornando-se o primeiro homem nascido na colônia a assumir um cargo de primeiro escalão.
Na Corte, pôs em prática sua sagacidade política. José Bonifácio foi decisivo para que a Independência do Brasil se desse como se deu — quer dizer, sem prejuízo territorial, com a adoção de uma monarquia constitucional e de caráter unitário, centralizado no Rio de Janeiro e na figura do imperador. O trânsito de Bonifácio no cotidiano palaciano era inigualável. Uma figura paterna para D. Pedro e fraterna para imperatriz, D. Leopoldina, com quem discutia política e ciências — paixão compartilhada por ambos.
A escalada de Bonifácio foi rápida. Vale dizer que sua fama de autoritário não vinha por acaso: como estadista perseguiu opositores. Entre outubro e novembro de 1822, comandou uma devassa que ficou conhecida como “bonifácia”, resultando na prisão e deportação de rivais políticos, como Joaquim Gonçalves Ledo e João Soares Lisboa, proibiu reuniões em sociedades como as maçonarias e fechou jornais que propagavam ideias que lhe soavam radicais, próximas a um republicanismo – ou no que à época era considerado até pior: “democráticas”.
Não é exagero dizer que Bonifácio advogou o bem comum enquanto projeto de país. “O interesse dos governantes deve ser o mesmo que o dos governados” — frase sua. Imaginou para o Brasil que se construía, estradas, portos, a adoção de um novo modelo educacional, a urgência de uma reforma agrária. Mas o mais importante — e que contribuiu decisivamente para fazer despencar seu prestígio político: a rápida abolição da escravatura. Varrer as estruturas coloniais para longe era condição básica para o desenvolvimento geral da nova nação que se formava.
Longe de ser um revolucionário, José Bonifácio perdeu sua posição de principal conselheiro de do imperador, quando exacerbou seu discurso antilusitano, no mesmo momento em que D. Pedro se cercava cada vez mais de portugueses natos — como ele mesmo. Além disso, José Bonifácio estava rodeado por pessoas que fariam de tudo para manter o regime escravista como estava, e seus planos para abolição soavam muito mal aos ouvidos da elite reinol — com a qual entrou num conflito que resultou na queda de seu ministério, em 1823.
A conflituosa relação com D. Pedro — uma história à parte — teria novos capítulos após a demissão de José Bonifácio. Com o fechamento da Assembleia Constituinte pelo imperador, em 1823, foi exilado para Europa, onde permaneceu por cinco anos. Poucos anos após voltar ao Brasil, Pedro I confiou a Bonifácio a tutoria de seu filho, o futuro imperador, Pedro II — então com cinco anos de idade —, quando da abdicação do monarca, em 1831.
Referências Bibliográficas
DOLHNIKOFF, Miriam. José Bonifácio. O patriarca vencido. São Paulo: Companhia das Letras, 2012
ENDERS, Armelle. A história do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Gryphus Editora, 2015.
NALINI, José Renato. Muitas vidas em uma só: José Bonifácio de Andrada e Silva. São Paulo: Academia Paulista de Letras; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2020.
Este texto foi elaborado pelo pesquisador Davi Aroeira Kacowicz.