Joaquim Gonçalves Ledo (1781-1847)
“Escrito por dois brasileiros, amigos da nação e da pátria”. As palavras que, em 1822, estampavam a folha de rosto do jornal liberal Revérbero Constitucional Fluminense faziam referência a seus dois editores: o cônego da Capela Real, Januário da Cunha Barbosa, e Joaquim Gonçalves Ledo, advogado, jornalista e inveterado republicano.
Fluminense de Cachoeiras de Macacu, Gonçalves Ledo nasceu em 1781 e, assim como muitos de sua geração, logo aos 14 anos rumou para Portugal, a fim de cursar direito na Universidade de Coimbra. No velho continente, fascinou-se com os ideais revolucionários da República francesa e se aproximou do universo da maçonaria – que, naquele período, representava um importante centro de formação e difusão do espírito público. De volta ao Brasil às pressas por conta morte do pai, em 1808, não teve condições de concluir o curso em Coimbra. Contudo, trouxe uma bagagem abarrotada de concepções renovadas sobre o bem comum e uma dose de inquietação política.
Já na casa dos trinta e cinco anos de idade, esteve envolvido na fundação da loja maçônica “Comércio e Artes” e do “Clube Recreativo e Cultural da Guarda Velha” – confrarias, onde discussões em torno de convicções liberais corriam soltas. Mas sua atuação política no cenário urbano do Rio de Janeiro vai se tornar evidente mesmo, a partir da intensa mobilização em favor da causa brasileira da Independência, nos primeiros anos da década de 1820.
Não apenas por conta do aparecimento do vibrante Revérbero Constitucional Fluminense – folha que atuava como um verdadeiro vetor de difusão de “ideias perigosas”, como liberdade de expressão e direitos humanos –, mas também porque, na condição de democrata e republicano, organizou abaixo-assinados que renderam efeitos concretos nos rumos da política institucional. Foi o caso daquele que recebeu oito mil assinaturas, reivindicando a permanência do príncipe regente diante da decisão das Cortes portuguesas e que resultou no “Dia do Fico”. Ou mesmo da representação, assinada seis mil vezes, que pedia a D. Pedro a convocação de uma Assembleia Constituinte. Ao ter notícia do abaixo-assinado, o príncipe chegou a admitir em carta ao pai que “o povo tem razão (…) sem Cortes o Brasil não pode ser feliz. (…) Leis feitas tão longe de nós por homens que não são brasileiros e que não conhecem as necessidades do Brasil não podem ser boas”. Mais um ponto para o formato de ação política organizado por Gonçalves Ledo: em 3 de junho de 1822, foi expedido decreto convocando eleições para a Assembleia Geral Legislativa e Constituinte do Brasil.
Tido como um “liberal exaltado”, no campo da causa brasileira da Independência, Joaquim Gonçalves Ledo representava uma elite “brasílica”, da terra, patriótica e separatista, em contraposição a uma elite mais alinhada aos interesses de um império luso-brasileiro, que de certa forma mantinha relações com as Cortes de Portugal.
Foi dessa condição que Gonçalves Ledo se tornou a principal liderança intelectual de uma corrente política de oposição ao projeto centralizador de José Bonifácio. A disputa ganhou contornos definidos, a partir da fundação de lojas maçônicas para cada um dos grupos rivais – “Grande Oriente do Brasil” e “Apostolado da Nobre Ordem dos Cavaleiros de Santa Cruz”– e terminou escancarada de forma trágica quando, em novembro de 1822, Gonçalves Ledo foi acusado por José Bonifácio de conspiração e republicanismo. Teve fechados seu jornal e loja maçônica, foi ameaçado de morte e acabou tendo que fugir para Buenos Aires – numa operação arriscada, em que teve que se disfarçar de mulher e, depois, de frade. O episódio estremeceu ainda mais as relações entre D. Pedro I e Bonifácio. Mas o fato é que Gonçalves Ledo só retornou ao Brasil em novembro de 1823, após ser absolvido pelo Tribunal de Relações do Rio de Janeiro.
O liberal Joaquim Gonçalves Ledo ainda chegou a ser eleito deputado da Assembleia Provincial do Rio de Janeiro em 1822, enquanto ainda estava no exílio, e só assumiu a cadeira no ano seguinte. Em 1828, foi convidado por D. Pedro I para se tornar ministro e recebeu a Imperial Ordem da Rosa e o título de marquês. Contudo, recusou tanto o convite quanto as distinções reais. Abandonou a política e a maçonaria em 1834, para se recolher em uma fazendo na sua cidade natal, Cachoeiras de Macacu, onde morreu em 1847.
Referências Bibliográficas
ASLAN, Nicola. Biografia de Joaquim Gonçalves Ledo. Rio de Janeiro: Editora Maçônica, 1975.
LUSTOSA, Isabel. Insultos impressos: a guerra dos jornalistas na Independência, 1821-1823. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
LUSTOSA, Isabel. D. Pedro I: um herói sem nenhum caráter. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
GOMES, Laurentino. 1822. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010.
Este texto foi elaborado pelo pesquisador Danilo Marques.