Na cidade há som. O Rio de Janeiro é canção e barulho. Nossos ouvidos escutam um velho samba que toca em um botequim, o grito do ambulante que amola uma faca, o bloco de carnaval que passa na rua, o helicóptero que sobrevoa uma comunidade. O silêncio não existe. Ao andarmos pela cidade, temos sons e significados, que carregam traços e códigos partilhados, dos quais os cariocas são, simultaneamente, produtores e produtos.

Curadoria: Heloisa Starling

Ó, abre alas que eu quero passar… Bum bum paticumbum prugurundum. O Carnaval é o fenômeno cultural mais marcante do Rio. Transgressão e irreverência, mescla singular de alegria e tristeza: impossível definir seu espírito. Tampouco representar a amálgama de sons e de ritmos que o sustenta. Não à toa, às vésperas da farra, o prefeito entrega a Momo as chaves da cidade. Cria-se uma brecha libertadora no tempo, um momento de suspensão da rotina. Uma lembrança que, nos demais 360 dias, vale como marca-passo a orientar a pulsação da cidade.

Não raro, o som dos tambores se mescla às badaladas dos sinos das igrejas. O ritmo do samba, com seu ímpeto sensual, é herança transformada de tradições de matriz africana. Odô Yiá, Odô Yiá, celebram os adoradores de Iemanjá, misturando sua cantoria ao barulho do mar. Na madrugada de 23 de abril, os fogos acordam a cidade: é alvorada de São Jorge. No mesmo dia, os terreiros oferecem batuques a Ogum. O Rio é uma encruzilhada de sons, espaço marcado pela interseção de culturas cujo resultado cotidiano é o enlace pulsante entre fé e festa.

A alegre revoada de maritacas, o assovio de micos-estrela correndo sobre a fiação elétrica. Vez ou outra, alguns sons da fauna se sobressaem na malha de ruídos da cidade, lembrando como é peculiar o enlace carioca entre natureza e progresso urbano. Nas praias, os sons se misturam também de forma singular: ondas e vozerio, o tumulto de pessoas encontrando o tumulto exuberante da paisagem. Pena que toda essa algazarra pode ser entrecortada pelo ruído inconfundível de tragédias que são obra do descaso, como ocorre durante as tempestades de verão.

O mapa simbólico do Rio se desdobra numa trama infinita de ruídos e músicas, uma mistura que abraça tanto o grito da torcida, em dia de jogo, quanto o som metálico do VLT sobre os trilhos; as palavras de ordem de passeatas e os bordões irreverentes dos vendedores ambulantes. Nuances da alma encantadora das ruas, como cunhou João do Rio, no começo do século XX.

“Prepara!”, anuncia o funk de Anitta. “Aperta o play DJ!”, dita o comando, e começa a Batalha do Passinho, duelo de dança que mistura funk, frevo, samba, break, kuduro e Michael Jackson. Nos fundos dos quintais, soam tantãs e repiques de mão. À beira-mar, ergueu-se a onda da bossa nova, revolucionária. Sob a lona do Circo Voador, cresceu o rock nacional. Com inegável vocação para inventar novos ritmos e cadências, o Rio também é lugar para absorver e transformar os sons que vêm de fora, num potente trânsito musical.

De concertos de música clássica ao ar livre a bailes de charme debaixo do viaduto. Do zum-zum-zum de festivais de moda ao martelar das boates de música eletrônica. Do rock compartilhado ao lado de milhares de pessoas, nas areias da praia, ao acaso que irrompe numa roda tocando Pixinguinha. Os sons do Rio espelham o jeito carioca de se divertir: esparramado e surpreendente, inventivo e multifacetado.

Além dos diversos sons, o Rio é agraciado com as inúmeras vozes que cantam a cidade, seus bairros, suas mazelas e alegrias. Graças a essas vozes do Rio, múltiplas e diversas, a cultura carioca é reconhecida em todos os cantos do Brasil.

A voz do locutor invade o interior do táxi, trazendo em sua nebulosa também os slogans e os anúncios da programação, a previsão do tempo, hits do passado e novidades musicais da semana. Na porta do cinema, o burburinho vai ser logo interrompido por um desdobrar inconfundível de sons, dentro da sala de projeções. A espera pelo teatro também tem seu ritual: os avisos sonoros, o silêncio expectante. Mas há quem faça teatro na rua. Nesse caso, são os sons corriqueiros da cidade que penetram a cena de uma apresentação, misturando os ruídos do acaso à narrativa.

Um estampido seco é acompanhado de uma faixa de luz que, feito estrela cadente, corta o céu noturno. Pouco depois, os rojões explodem no alto do morro, indicando mais um dia de confrontos. Há um lado sombrio na paisagem sonora que ocupa o cotidiano de quem vive no Rio. Sons que causam pavor. Música produzida por carros blindados e fuzis. A gritaria do arrastão na praia ou no túnel. O estampido da bala que chamam de “perdida”, mas que em geral encontra uma vítima. E ela quase sempre é negra, pobre, moradora dos subúrbios ou das favelas.

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