Entre o jornalismo e a ficção

É impossível pensarmos na literatura feita no Rio de Janeiro sem lembrar dos escritores, cronistas, críticos e jornalistas João do Rio e Lima Barreto. Ambos foram únicos em seu tempo a fazer da cidade um personagem fundamental de suas histórias.  

Paulo Barreto começou sua vida de jornalista em 1900. Três anos depois, foi trabalhar na Gazeta de Notícias. Nesse mesmo ano, criou seu pseudônimo mais famoso, fazendo do nome da cidade seu sobrenome: João do Rio. Ele foi um dos pioneiros de um tipo de jornalismo investigativo que adentra diferentes espaços e classes sociais para os apresentar em relatos de tom literário.  

Em 1905 saiu, na Gazeta, um de seus primeiros trabalhos populares: Religiões do Rio, uma série de reportagens que abordavam, de um ponto de vista exótico, os diversos cultos populares de matrizes africanas que povoavam a região da “Pequena África” – nos arredores da Praça Onze e da Cidade Nova. Ainda entre 1904 e 1905, João do Rio publicou no mesmo jornal seu Momento Literário, série de reportagens com as maiores personalidades da literatura brasileira – ao menos, do seu ponto de vista. Em 1907 a série foi lançada em livro pela Livraria Garnier.  

Retrato de João do Rio em 1921- Imagem retirada da Enciclopédia Itaú Cultural

A alma encantadora das ruas, seu volume mais famoso, foi publicado em 1908. Em suas páginas, trazia desde o submundo das casas de ópio, tatuadores e vidas nas cadeias até a simplicidade dos cocheiros, dos mercadores de livros e as pequenas profissões urbanas.  

Suas crônicas – muitas escritas também sob outros pseudônimos – versavam sobre a vida noturna e mundana da cidade, as peças populares e teatros, os bares e cafés, a moda, o cinema e outras novidades do período. Sua fama de escritor, teatrólogo, tradutor e cronista garantiu a Paulo Barreto tanto a marca transgressora de um estilo dandy, quanto uma cadeira na conservadora Academia Brasileira de Letras, em 1910. Quando faleceu, em decorrência de um infarto fulminante em 1921, seu enterro foi acompanhado por milhares de pessoas.  

Milhares de pessoas acompanharam o cortejo no dia do enterro de João do Rio, em 26 de junho de 1921 – Acervo Biblioteca Nacional 

No outro extremo do meio literário carioca, encontra-se o nome de Afonso Henriques de Lima Barreto. Morador do subúrbio de Todos os Santos, negro e de origem popular, Lima Barreto se tornou uma voz dissonante na Primeira República, comentando de forma ácida os hábitos postiços e classistas de uma elite política e intelectual que habitava a cidade. 

Lima Barreto junto à turma da Escola Politécnica, da qual foi estudante. Fotógrafo não identificado. Acervo Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin – imagem com zoom retirada de Buzzfeed

Assim como João do Rio, Lima Barreto iniciou sua trajetória literária em revistas e jornais da cidade. Logo em um de seus primeiros trabalhos, o escritor precisou cobrir a derrubada parcial do morro do Castelo para o prestigioso Correio da Manhã.  

Conforme o jornalista narrava os eventos que envolviam a obra grandiosa de Pereira Passos, o ficcionista começava a produzir uma trama de cunho fantástico para narrar uma lenda sobre um tesouro escondido sob o morro pelos jesuítas, expulsos da cidade pelo marquês de Pombal.  

Escrito em anonimato, a série de reportagens que mesclam jornalismo e ficção marcaram o estilo de Lima Barreto, sempre fazendo da cidade carioca um espaço literário.  

O escritor Lima Barreto. Acervo Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin

Como cronista de inúmeros veículos, sua verve comentava a transformação radical que a cidade sofria naquele período. Sem poupar palavras contra instituições importantes ligados ao Estado Republicano, seus romances – pioneiros de uma linguagem carioca e urbana – não obtinham o sucesso que teriam após sua morte prematura, em 1922.  

Apesar de conhecido nos círculos literários da cidade, era mais visto em bares e choperias, tronou-se aos poucos alcoólatra e passou sérias dificuldades no fim da vida. Apesar disso, seu nome e sua obra definiram a abertura de uma literatura carioca crítica, que até hoje ecoa em escritores contemporâneos.  

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