D. Pedro I (1798-1834)
D. Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon foi o primeiro imperador do Brasil e figura central no processo de independência. D. Pedro nasceu em solo português no ano de 1798 e foi nomeado príncipe regente do Brasil aos 22 anos de idade. Seu pai, D. João VI, jurou a Constituição portuguesa e retornou para a terra natal, deixando seu primogênito no governo do Brasil .D. Pedro era conhecido por sua simpatia em relação aos ares liberais e constitucionalistas que sopravam forte nas monarquias no século XIX. “O meu esposo, Deus nos valha, ama as novas ideias”, confessou, assombrada, a princesa Leopoldina em carta ao pai, o imperador Francisco I da Áustria.
Por outro lado, o interesse por Voltaire e a admiração por Napoleão Bonaparte não faziam desse complexo personagem um exemplar propriamente republicano. De perfil autoritário e centralizador, D. Pedro teve uma educação aos moldes do antigo regime. E, apesar de fazer parte de uma geração pós-Revolução Francesa, foi criado para ser um monarca absolutista. “Tudo farei para o povo, mas nada pelo povo”, disse em um momento de profunda crise política, pouco antes de abdicar do trono em 1831.
O mesmo monarca, que recebeu o título de “Defensor Perpétuo do Brasil” e se autodenominava “Imperador Constitucional”, foi o responsável por reprimir e dissolver a Assembleia Geral Constituinte, em 1823, e, logo no ano seguinte, outorgar a primeira – e até hoje mais longeva – Constituição da nossa história.
O envolvimento de D. Pedro com a defesa da independência não começa no 7 de setembro de 1822, mas muito antes. O acontecimento às margens do rio Ipiranga – imaginado em cores fortes e modulação épica por Pedro Américo em 1888 – pode ser considerado uma espécie de interregno na sucessão de acontecimentos que vinham ocorrendo em 1822 e que desembocariam na sua aclamação como imperador do Brasil, em 12 de outubro daquele ano.
Além do mais, é possível perceber a evolução política do príncipe regente na direção da causa brasileira. Uma postura que, em certo sentido, começou titubeante nos meses após o retorno de D. João VI a Portugal, deu lugar a uma conduta determinada no caminho que levaria à independência.
Apenas 8 meses se passaram, entre a carta de 4 de outubro de 1821, na qual jurou ao pai “ser sempre fiel a Vossa Majestade, à nação portuguesa e à Constituição portuguesa”, e a carta de 26 de julho de 1822, em que declarou a D. João ser “um impossível físico e moral Portugal governar o Brasil, ou o Brasil ser governado por Portugal”. Mas muita coisa aconteceu. E um ponto de inflexão merece destaque em todo esse processo.
No dia 9 de dezembro de 1821, o navio Infante Dom Sebastião chegou ao Rio de Janeiro com uma notícia em tom de decreto por parte das cortes portuguesas: seriam fechadas todas as repartições governamentais criadas por D. João VI a partir da chegada da Coroa portuguesa em 1808. Além disso, o príncipe regente deveria embarcar imediatamente para Lisboa. Na prática, a decisão devolvia o Brasil à condição de colônia de Portugal.
A notícia serviu como a centelha que acendeu o rastilho de pólvora na reação dos brasileiros. “É incrível como as medias das cortes lograram em tão pouco tempo desorganizar inteiramente este país e criar um ódio profundo contra o nome português, de par com um espírito de independência impossível de comprimir mais longamente”, anotou o barão Wenzel de Mareschal, encarregado de negócios da Áustria no Brasil.
Começaram a pipocar e circular pelas ruas da cidade panfletos, jornais e manifestos, reivindicando a permanência de D. Pedro. Um abaixo-assinado – organizado em uma pequena cela do Convento de Santo Antônio, no largo da Carioca –, recebeu oito mil assinaturas e chegou às mãos do príncipe regente. No dia 9 de janeiro de 1822, ele declarou seu desacato às ordens vindas de Portugal e publicou em edital as palavras que fizeram aquela data ficar gravada na memória nacional: “Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto: diga ao povo que fico!”.
Do chamado “Dia do Fico” até a sua aclamação como imperador do Brasil, passando pelo 7 de setembro, D. Pedro esteve implicado em uma série de disputas em torno de diferentes projetos de país. Ele estava envolvido, claro, nos projetos que eram pensados a partir do centro gravitacional de poder que se tornara o Rio de Janeiro, onde a causa brasileira se tornara uma convicção, e a defesa de uma monarquia constitucional era praticamente inconteste. “De Portugal nada, nada; não queremos nada!”, escreveu D. Pedro I a D. João VI, em 22 de setembro de 1822, quando já estava consumada a Independência.
De um lado, era possível ver o projeto de uma elite que desejava fazer do Brasil a sede do império luso-brasileiro e com intensa ação nas Cortes de Lisboa; de outro, o projeto de uma elite de vocação republicana, que aceitara a monarquia como solução definitiva para o Brasil, mas não renunciaria ao esforço de a tornar mais liberal. De um lado, uma elite coimbrã, representada por José Bonifácio; de outro, uma elite brasiliense, representada por Joaquim Gonçalves Ledo.
Essa disputa de projetos culminaria na Assembleia Geral Constituinte de 1823, sobre a qual anotou a imperatriz Leopoldina: “Aqui vive-se uma verdadeira confusão, em todos os lugares reinam princípios modernos, novos e populares (…) trabalha- se na criação de uma Assembleia popular, idealizada à moda democrática como nos Estados livres da América do Norte; meu esposo, que infelizmente gosta de todas as novidades, está entusiasmado (…).”
O entusiasmo não durou muito. Em 12 de novembro de 1823, no episódio conhecido como “Noite da Agonia”, D. Pedro I mandou dissolver a Assembleia Constituinte, reprimiu os parlamentares e tratou de nomear um novo Conselho de Ministros para elaborar um rascunho de constituição. O documento – que, dividia o poder em Executivo, Legislativo e Judiciário, mas estabelecia o poder Moderador do monarca sobre todos eles – foi aprovado às pressas e outorgado por Sua Majestade Imperial, no dia 25 de março de 1824.
Foi assim que o recém-nascido império do Brasil recebeu o seu documento de identidade. Tudo isso, entre outras tantas relações de poder, muito por conta da atuação política de um personagem português que, ao assinar sua carta de abdicação do trono em 1831, declarou que retornava para Europa, mas deixava “um país que amei e ainda amo”.
Referências Bibliográficas
SOUZA, Octávio Tarquínio de. A vida de D. Pedro I .. Belo Horizonte; São Paulo: Itatiaia; Edusp, 1988. Vol. 1.
LUSTOSA, Isabel. D. Pedro I: um herói sem nenhum caráter. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
GOMES, Laurentino. 1822. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010.
SCHWARCZ, Lilia M.; STARLING, Heloisa M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
Este texto foi elaborado pelo pesquisador Danilo Marques.