A revolução interrompida de Lúcio Costa
Após a Revolução de 1930 e a tomada do poder pelo grupo de Getúlio Vargas, o político e jurista mineiro Francisco Campos assumiu, durante o Governo Provisório, o Ministério da Educação. Outro intelectual mineiro, o influente Rodrigo de Melo Franco de Andrade, colabora com Campos na pasta e faz uma indicação polêmica para a direção da histórica Escola Nacional de Belas Artes: o jovem arquiteto carioca Lúcio Costa. Esse evento talvez tenha sido um dos momentos mais marcantes para a arte brasileira logo no início da década de 1930. Mesmo com uma passagem relâmpago, o arquiteto revolucionou a ENBA por ter, finalmente, introduzido os preceitos modernistas em um espaço ainda estritamente acadêmico e anacrônico.
Lúcio, com apenas 28 anos, assumiu o cargo no dia 12 de dezembro de 1930 e não terminou o ano de 1931 à frente da instituição. Mesmo com essa brevíssima passagem, foi o responsável pela 38º Exposição Geral de Belas Artes, conhecido na época como o “Salão Revolucionário”. Montando um júri plural com nomes marcantes de 1922 – como Anita Malfatti e Manuel Bandeira, além dos “novos” Portinari e Celso Antônio -, o arquiteto e diretor definiu como critério, aceitar todos os trabalhos inscritos. Assim, todas as obras enviadas entraram na imensa mostra que, por fim, acabou reunindo diferentes gerações e perspectivas sobre a arte. Com maioria de artistas ligados ao que se chamou de modernismo, o Salão acabou por ser um marco divisor na cidade e no país.
Mesmo com tal abertura, a exposição acabou sendo dominada pelos nomes da renovação da arte brasileira, com presenças marcantes, em quantidade e qualidade das obras, de nomes como Guignard, Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral, Jhon Graz, Antonio e Regina Gomide, Flávio de Carvalho, Brecheret, entre muitos outros, além dos membros do júri – Malfatti e Portinari. No âmbito da arquitetura, a geração impactada pelo trabalho de Le Corbusier no Brasil também esteve presente através de nomes como Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Marcelo Roberto e Alcides da Rocha Miranda. Foram inscritos e expostos no total 506 trabalhos de 160 pintores, 129 trabalhos de 41 escultores e 35 projetos de 10 arquitetos, somando o incrível total de 670 trabalhos realizados por 236 artistas e arquitetos.
Como destaque absoluto dessa exposição está a primeira exibição brasileira da obra definitiva de Cícero Dias, pintada entre 1926 e 1929 na rua Aprazível número 8, Santa Teresa, Rio de Janeiro. Foi com “Eu vi o mundo… ele começava em Recife”, com dimensões de 15 metros de largura e por 25 metros de comprimento, que o “Salão revolucionário” conseguiu o impacto histórico que, de qualquer maneira, já estava em curso. Feita em guache e aquarela sobre papel para embrulhar presente, o trabalho de Dias trazia nus e motivos ainda polêmicos para o público, e teve, inclusive, uma de suas partes retirada na versão exibida ao público.
Outro ponto fundamental na brevíssima passagem de Lúcio Costa pela direção da Escola Nacional de Belas Artes foi a transformação de seu ensino. Sem poder demitir os já tradicionais professores acadêmicos, o novo diretor injetou mudanças contratando para a docência um time de profissionais como o arquiteto Gregori Warchavchik, o pintor Leo Putz, o escultor Celso Antônio de Menezes e o engenheiro Edson Passos. Essas mudanças trouxeram para os seus cursos livres os estudantes Roberto Burle Marx, Oscar Niemeyer e Carlos Leão, três dos nomes mais importantes para a remodelação da cidade nas décadas seguintes, com obras como o Edifício do Ministério da Educação e o Aterro do Flamengo.
Por contrariar de forma direta uma série de interesses dos antigos membros da Escola Nacional de Belas Artes, Lúcio Costa foi substituído ainda em setembro de 1931, em meio aos protestos feitos diretamente ao governo federal através da figura do influente Gustavo Capanema. De qualquer maneira, esse período de Costa abriu a possibilidade de ações futuras de impacto, como a construção do edifício do MEC (com projeto inicial de Le Corbusier) em 1937 e a fundação do Instituto de Artes da também efêmera, porém revolucionária, Universidade do Distrito Federal, em 1935.