Portinari, Guignard, Santa Rosa

Em meio às tensões políticas que atravessaram o Brasil durante o período de Getúlio Vargas no poder, alguns artistas instalados na capital federal produziram uma série de ações independentes, cujos impactos imediatos no meio artístico carioca reverberam até hoje. Dentre diferentes nomes e ocupações, três artistas – um gaúcho, um fluminense e um paraibano – ocuparam todos os espaços possíveis para praticar sua arte e, principalmente, difundir seu ensino e suas práticas. Cândido Portinari, Alberto da Veiga Guignard e Tomás Santa Rosa Júnior foram os três nomes responsáveis por alguns dos momentos decisivos da arte feita no Rio de Janeiro nesse período. 

Cada um desses nomes contribuiu de diferentes formas para o que ocorria na cidade. Portinari chegou na capital da República em 1919 para estudar e buscar uma carreira artística, o que só ocorreu de forma sólida na década de 1930. Sua preferência pelo nascente modernismo brasileiro fez com que seu trabalho só vencesse algum prêmio oficial – na Exposição Geral de Belas Artes de 1928 – com um retrato tradicional do poeta e acadêmico Olegário Mariano. Após dois anos em Paris (com uma exposição realizada no Palace Hotel em 1929 com apresentação de Ronald de Carvalho), Portinari retorna ao Rio de Janeiro já no período de Vargas e com a guinada definitiva a uma pintura que seria, ao mesmo tempo, moderna e brasileira. Sua presença na cidade, suas relações com o meio cultural de diferentes áreas e sua capacidade docente o fez uma referência para outras gerações que buscavam no cada vez mais famoso pintor, um mestre. Quando se torna professor de pintura mural e cavalete da Universidade do Distrito Federal em 1935, esse impacto aumenta consideravelmente, pavimentando a consagração oficial que o pintor viveria nos anos seguintes. 

Candido Portinari, “Flora e Fauna Brasileiras” (1934) – Brasil de Fato

Alberto da Veiga Guignard é outro nome que chega ao Rio em busca de estudo e aprofundamento de sua arte. Após viver vinte e um anos na Europa, chega na cidade em 1929 e se depara com um ambiente artístico precário e restrito perto do que viveu em cidades como Florença e, principalmente, Munique. Com essa visão, Guignard mergulha não só na produção de uma obra extremamente importante para a segunda fase do modernismo brasileiro, mas principalmente na docência. O lirismo de suas telas produz um outro olhar criativo dentre as demandas vanguardistas de então, adaptando sua formação expressionista alemã aos personagens e paisagens populares do Rio e do Brasil.

Torna-se em 1931 professor de artes da Fundação Osório, pequeno estabelecimento localizado no Rio Comprido, dando aula em sua ampla maioria para meninas, crianças e adolescentes até 1943. Guignard também faz ações de difusão das artes como uma exposição em 1931 e um Baile de Carnaval em 1932 na Pro-Arte, além de participar de debates públicos, de Salões e ser um dos que trabalham na primeira e polêmica fase da Universidade do Distrito Federal. 

Alberto da Veiga Guignard, “Família do Fuzileiro Naval”, 1935 – Enciclopédia Itaú Cultural

Indicado por Portinari ainda em 1935, ele permanece como professor de desenho por breves seis meses. Por vir de uma prática autodidata de ensino na Fundação Osório, Guignard diz em cartas e entrevistas sobre o período que não conseguiu se relacionar com os preceitos da escola. Mesmo assim, o pintor teve importante participação na instituição durante esse período. É desse mesmo ano de radicalismos políticos e efervescência criativa que Guignard pinta uma de suas mais famosas telas “cariocas” – A Família do Fuzileiro Naval – comprada por Mário de Andrade para sua famosa coleção. Nos anos seguintes, o pintor seguiria sua missão de docência, propondo cursos livres e gratuitos em espaços como a UNE, na Praia do Flamengo (1942). Tal iniciativa, que contou promissores como Iberê Camargo, formou em 1943 o Grupo Guignard, cuja sede funcionava na Rua Marques de Abrantes, bairro do Flamengo.  

Já o paraibano Tomás Santa Rosa, apesar de não ter o destaque como pintor que os outros dois tiveram em seu tempo e até hoje, foi um trabalhador incansável das artes visuais no Rio de Janeiro. Seu trabalho gráfico em editoras importantes como a José Olympio o levou a outras frentes com seu desenho e pintura, como a cenografia de peças de teatro, área que obteve imenso destaque, se tornando um dos nomes mais importantes dessa área no país. Ao chegar no Rio em 1932, Santa Rosa mora com o conterrâneo José Lins do Rego em uma pensão no Catete. 

Sem título (1952), Tomás Santa Rosa — Foto de Rildo Coelha – Acervo cultural do INSS, Brasília

Santa Rosa, além do trabalho gráfico de ilustração, desenhos para imprensa e cenografia para peças históricas como a primeira montagem no Teatro Municipal do Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues (1943), foi um ativo participante dos movimentos políticos da época, organizando ao lado de Aníbal Machado e Álvaro Moreira em 1935, no Clube Municipal da Avenida Rio Branco, a primeira Exposição de Arte Social, com participação de Guignard, Portinari, Di Cavalcanti, Oswaldo Goeldi, Carlos Leão, Waldemar da Costa, Lazar Segall, Cícero Dias, entre outros. Santa Rosa também foi importante na criação e execução dos famosos murais de Portinari, já que fora um de seus alunos mais dedicados na época em que o pintor gaúcho lecionou em Universidade do Distrito Federal, levando posteriormente seus alunos para trabalhos importantes feitos pela cidade. 

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