Olimpíadas das Remoções
A prática de desalojar famílias, em especial as pobres, já é há séculos um traço dos mais perversos na política carioca. Basta lembrar as desapropriações feitas de supetão, com a chegada da corte portuguesa ao Brasil em 1808, que despejaram milhares de pessoas, para ceder suas casas à nobreza vinda d’além-mar. Ou o Bota-Abaixo de Pereira Passos, que varreu para zonas periféricas os antigos moradores do centro do Rio. Ou ainda as transferências em massa dos governos Carlos Lacerda e Negrão de Lima, nos anos 1960 e 1970, que obrigaram mais de 100 mil moradores a deixarem suas casas, na região central e na zona sul, e irem morar em conjuntos habitacionais distantes e com infraestrutura precária. Uma diáspora forçada.
A história de remoções autoritárias, porém, não é coisa do passado. Seu fantasma voltou a assombrar os cariocas, e com mais força do que nunca, durante os preparativos para a Copa do Mundo de 2014 e Jogos Olímpicos de 2016. Estima-se que mais de 67 mil pessoas tenham sido removidas de suas casas, só entre 2009 e 2013. Uma das facetas mais dramáticas dessa política de remoções foi a da Vila Autódromo, comunidade vizinha ao Parque Olímpico que acabou se tornando símbolo da violação do direito à moradia empreendido pelo próprio governo.
Uma das principais controvérsias no caso da Vila Autódromo é o fato de que o projeto olímpico não incluía a demolição das casas. Segundo moradores e ativistas, a retirada das famílias ocorreu, na verdade, devido à especulação imobiliária e à pressão das construtoras, pois a sua permanência não influenciaria em nada no traçado das obras. Por isso, se uniram num processo de resistência e de denúncia. O drama da Vila Autódromo foi retratado no documentário Se essa vila não fosse minha, de Felipe Pena. Além disso, deu origem ao Museu das Remoções, projeto que busca documentar a história de comunidades que foram apagadas, parcial ou integralmente.