Rio Atlântico de dor

O teu sal, ó mar, são lágrimas de dor.
(Paulina Chiziane, “O canto dos escravizados”)

Representação do tráfico de africanos escravizados no Rio de Janeiro. Pão de Açúcar aparece no topo da tela e, envoltos na moldura de madeira, corpos de africanos no que seria o interior de um navio. Brasil Atlântico do Período Colonial, Arjan Martins, 2014.

Toda a beleza de uma cidade à beira-mar, cercada por montanhas em tons de verde e azul, com praias de areia branca e rios que levam e trazem as águas do oceano para dentro e fora de si, não consegue apagar ou fazer esquecer que esse mar salgado foi cenário e protagonista em histórias de morte e de dor.

Estimativa de africanos escravizados embarcados e desembarcados entre 1501 e 1866. Em destaque, o sudeste, região em que está localizado o maior porto de desembarque de africanos do mundo – o Valongo

Se o Brasil é o país que por mais tempo e em maior dimensão demográfica recebeu africanos e africanas escravizadas na história da diáspora, o Rio de Janeiro foi o maior porto escravista desta costa. Quando o Cais do Valongo, situado na zona portuária da cidade, foi reconhecido como Patrimônio Mundial, este dado consistiu no mais relevante argumento para sua titulação. Nesta cidade desembarcaram, por séculos, cativos de diferentes regiões africanas e, especialmente nas décadas iniciais do século XIX, com frequência e intensidade não vividas em outras partes do território brasileiro, ou mesmo de outros portos escravistas nas Américas.

No mapa acima, o Sudeste brasileiro aparece como uma das regiões que mais recebeu cativos (mais de 2 milhões), desde o início da colonização. Fonte: SlaveVoyages

Porto de chegada e local de início de um processo de doloroso renascimento, que também dava à luz a esta cidade, que surgia com todas suas africanidades, criadas a partir da situação de cativeiro e do contato com outras gentes de outras culturas nesta terra — indígenas, portugueses, imigrantes de tantos lados. O Rio Atlântico é marcado por este sofrimento, mas também pela criação, a afirmação resistente e resiliente de seus protagonistas.

Lavagem do cais do Valongo, em homenagem à memória dos milhões de africanos escravizados. Julho de 2013. Fonte: Agência Brasil

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