Rio Atlântico de dor
O teu sal, ó mar, são lágrimas de dor.
(Paulina Chiziane, “O canto dos escravizados”)
Toda a beleza de uma cidade à beira-mar, cercada por montanhas em tons de verde e azul, com praias de areia branca e rios que levam e trazem as águas do oceano para dentro e fora de si, não consegue apagar ou fazer esquecer que esse mar salgado foi cenário e protagonista em histórias de morte e de dor.
Se o Brasil é o país que por mais tempo e em maior dimensão demográfica recebeu africanos e africanas escravizadas na história da diáspora, o Rio de Janeiro foi o maior porto escravista desta costa. Quando o Cais do Valongo, situado na zona portuária da cidade, foi reconhecido como Patrimônio Mundial, este dado consistiu no mais relevante argumento para sua titulação. Nesta cidade desembarcaram, por séculos, cativos de diferentes regiões africanas e, especialmente nas décadas iniciais do século XIX, com frequência e intensidade não vividas em outras partes do território brasileiro, ou mesmo de outros portos escravistas nas Américas.
Porto de chegada e local de início de um processo de doloroso renascimento, que também dava à luz a esta cidade, que surgia com todas suas africanidades, criadas a partir da situação de cativeiro e do contato com outras gentes de outras culturas nesta terra — indígenas, portugueses, imigrantes de tantos lados. O Rio Atlântico é marcado por este sofrimento, mas também pela criação, a afirmação resistente e resiliente de seus protagonistas.