1821 Panfleto “Thomaz, deves apresentar isto a El-Rei”

Um dos formatos mais populares entre os panfletos manuscritos que circularam no Rio de Janeiro em favor da Independência do Brasil era o dos versinhos. Seja em forma de longos sonetos que rasgavam elogios à Sua Majestade ou em versos diretos com uma pegada mais cortante, os “papelinhos” cariocas estavam sempre recheados de ideias que transbordavam pelas ruas. O tom podia até variar, mas o conteúdo era quase sempre o mesmo: atacar o antigo regime absolutista e sair em defesa pública do constitucionalismo, aos moldes do que ocorrera na Revolução do Porto em 1820. E dá-lhe criatividade na ponta da pena! 

Um exemplar divertido desse tipo de panfleto circulou no ano de 1821. “Thomaz, deves apresentar isto ao El-Rei” era uma trovinha que esbanjava sarcasmo e não fazia a menor questão de rodeios retóricos. O vocativo do título era ninguém menos que o português Thomaz Antonio Villanova Portugal, ministro da Corte que viera junto com a família real em 1808, homem de confiança de D. João VI e um absolutista inveterado.  

Figura 1 – Retrato do ministro Thomaz Antonio Villanova Portugal,  
Coleção do Museu Histórico Nacional. 

A fama do ministro, que havia sido um radical opositor da Revolução de 1820 em Portugal e defendia a manutenção da sede da Corte no Brasil, não andava das melhores na boca dos cariocas quem defendiam publicamente a Constituição. Em outro panfleto, que ostentava o título nada sutil de “Relação das pessoas que deviam ser presas na intenção dos eleitores do novo governo do Rio de Janeiro”, o nome de Villanova Portugal aparecia em um lugar de honra: apenas na cabeça da lista.  

Figura 2 — Panfleto “Relação das pessoas que deviam ser presas na intenção dos eleitores do novo governo do Rio de Janeiro”, 1821. Lata 195, maço 6, pasta 2. Biblioteca Azeredo da Silveira do Ministério das Relações Exteriores,  
Arquivo Histórico do Itamaraty. 

“Não te fies no malvado, / No pérfido Thomaz Antonio: / Olha que quando te fala / Por ele te fala o Demônio”, aconselhava a D. João VI o panfleto em versos, assinado “Por um Amante da Pátria Apresentado em dez estrofes de quatro versos”, a trova escrita à mão empilhava conselhos sobre conselhos constitucionalistas a D. João VI. “Se queres ainda Reinar / Olha beato João, / Deves ir para Portugal, / E assinar a Constituição”. Há momentos em que as advertências servem como aquele toque amigo à Sua Majestade Imperial – “Detesta qualquer traidor / Que o contrário te encareça”. Mas, às vezes, a verdade é que elas ganham contornos de intimações mesmo. Provavelmente, o autor sentiu o gosto da liberdade conferida pelo anonimato e resolveu ousar na abordagem a El-Rei. “Prepara p’ra o que te digo, / Não seja um papa sorda, / Não desgostes Portugal / Antes que a desgraça te morda.” Ou mesmo: “Isto o que deves fazer, / Se não és um toleirão, / D’outra sorte te virá / A faltar o mesmo pão.” 

Figura 3 – Desembarque d’El Rei Dom João VI, acompanhado por uma deputação das Cortes na magnífica praça do Terreiro do Paço em 4 de julho de 1821, regressando do Brazil, gravura a buril ponteado de Constantino Fontes, 1821. Fundação Biblioteca Nacional. 

Escritos quase sempre para serem colados nas paredes ou lidos em praça pública, a peculiaridade do panfleto em questão demonstra a variedade dos atores envolvidos na circulação desse suporte de ideias. Um detalhe importante salta logo aos olhos: como exibia uma caligrafia impecável, versos em redondilha maior e não apresentava erros de grafia – aliás, um traço muito comum nos “papelinhos” deste período –, tudo indica que quem escreveu o panfleto era alguém que dominava as letras. Além do mais, andava muito bem bem-informado sobre o que acontecia nas Américas: “Assina a Constituição / Não te faças singular, / Olha que a teus vizinhos / Já se tem feito assinar”.  

Figura 4 — Panfleto “Thomaz, deves apresentar isto a El-Rey”, 1821. Lata 195, maço 6, pasta 13. Biblioteca Azeredo da Silveira do Ministério das Relações Exteriores, Arquivo Histórico do Itamaraty. 

“Thomaz, deves apresentar isto ao El-Rei” é um compêndio em versos de ideais antiabsolutistas, a favor da Independência do Brasil. A força desse panfleto vem de sua capacidade de testemunhar o clima das discussões políticas no Rio de Janeiro em 1821. E, claro, de mostrar como o conceito moderno de “constituição” andava animando corações e mentes de muitos “Amantes da Pátria” no período.  

Referências Bibliográficas 

CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lúcia; BASILE, Marcello. Às armas, cidadãos!: panfletos manuscritos da independência do Brasil (1820-1823). São Paulo: Companhia das Letras, 2012. 

CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lúcia; BASILE, Marcello (Org.). Guerra literária: panfletos da independência (1820-1823). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. 

Este texto foi elaborado pelo pesquisador Danilo Marques. 

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