Samba e Subúrbio

A Velha Guarda da Portela no subúrbio de Oswaldo Cruz. Em pé, da esquerda para direita, está Paulinho da Viola, Aniceto, Alberto Lonato, Chico Santana; atrás dele, encoberto, Antônio Caetano, e também Armando Santos, Vicentina. Agachados estão Casquinha Iara, Monarco, Alcides Lopes, Cláudio e Miginha. Autor não identificado, 1970. Acervo IMS/José Ramos Tinhorão)

É provável que um dos elementos culturais mais representativos da identidade carioca (e suburbana) seja o Samba. Desde 2007, as matrizes do Samba no Rio de Janeiro foram consideradas patrimônio cultural imaterial do Brasil. Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, essas matrizes são representadas por três principais expressões: Partido alto, Samba de terreiro e pelo Samba enredo. 

Ao longo do tempo, o samba torna-se uma alternativa para indivíduos negros, imigrantes, nordestinos, operários, pobres ou não, que procuravam recriar seus laços de sociabilidade, lutando contra a estrutura de segregação vigente. Ligações afetivas, modos de viver, diversão e resistência são processos que dialogam para virar elementos produtores de identidade. Como diz o mestre Nelson Sargento, “Samba, negro, forte, destemido, foi duramente perseguido na esquina, no botequim, no terreiro…”.  

Quando o assunto é Samba e subúrbio, dentre tantos bairros que se destacam está o da Penha. Ali foi o lugar que, durante a festa da padroeira, em outubro, Ernesto dos Santos, mais conhecido como Donga, escolheu lançar “Pelo telefone” — um marco na gênese do samba enquanto gênero musical, gravada em 1917. Nomes como Noel Rosa, Pixinguinha, Ismael Silva e Cartola — além do próprio Donga, entre tantos outros — costumavam frequentar e apresentar pioneiramente suas composições nessa importante região suburbana. 

Igreja da Penha, Rio de Janeiro, autor não identificado, s.d. Arquivo Nacional. Fundo Correio da Manhã. BR_RJANRIO_PH_0_FOT_06655_320

A dimensão da celebração da padroeira da Penha era tamanha que chegava a ser considerada como a segunda maior festa popular, passível de comparação com o Carnaval. Roberto Moura, em seu livro “Tia Ciata e a pequena África no Rio de Janeiro”, identifica Dona Hilária Batista de Almeida — a famosa Tia Ciata, conhecida por ser uma das figuras mais importantes para o surgimento do Samba carioca — como assídua frequentadora da festa. Vale destacar que o pároco responsável pela igreja, entre 1879 e 1907, era o padre Ricardo da Silva, um notório abolicionista, conhecido por oferecer abrigo e cuidados aos escravizados fugidos, fazendo com que a área também fosse identificada como “Quilombo da Penha”. 

Processos muito parecidos podem ser observados em outros espaços dos subúrbios. Como a festa de São Jorge, que ocorre em todos os subúrbios, mas especialmente na igreja de Quintino, a festa do Divino Espírito Santo no Encantado, as rodas de Jongo no Morro da Serrinha e do Salgueiro, as folias de reis do Morro da Formiga, festas juninas, São Cosme e Damião, o próprio Carnaval de rua ou quadra, em escolas de samba como as da grande Madureira, Portela, Império Serrano e Tradição. Estas são apenas algumas dessas manifestações que rompem os séculos e atravessam o tempo até os dias atuais.

As formas de improviso presentes no Samba demonstram muito dos elementos característicos da vida e da resistência cultural vinculados ao cotidiano dos moradores suburbanos. Relações estabelecidas nos botequins, quintais, embaixo da sombra de árvores como as mangueiras, jaqueiras e tamarineiras ou qualquer lugar em que uma roda de jongo, choro ou samba possa acontecer.  Ou, como diz outro verso da mesma canção de Sargento já aqui citada: “Samba, agoniza, mas não morre, alguém sempre te socorre antes do suspiro derradeiro”.

Festa no subúrbio, Di Cavalcanti, 1938.

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