Salões, cafés e saraus

Umas das situações mais comuns em romances e contos do século XIX são cenas passadas em algum espaço de sociabilidade privada, em que as famílias se encontram e os cortejos amorosos ocorrem. Nessa sociabilidade, os saraus cariocas (ou recitativos) seguiam os moldes dos salões franceses, porém, adaptados aos modos locais. Nomes como Francisco Otaviano e a família Nabuco eram alguns dos salões mais elegantes e concorridos por literatos daquele tempo.  

O serão. Tela de Columbano Bordalo Pinheiro, c. 1880. Imagem em domínio público

Nas demonstrações coletivas de arte e letras, os poetas tinham lugar certo, assim como os oradores. A literatura era vista como uma das diversões principais nesses eventos. Ao lado da música, animava sempre as rodas das casas elegantes de Botafogo, São Cristóvão ou do centro da cidade. Entre os perfis de declamadores, havia desde os exaltados românticos até os místicos apaixonados, dos atores que interpretavam versos até os improvisadores repentistas.  

Assim como os poetas e escritores gravitavam ao redor dos saraus privados, os cafés da cidade propiciavam a ocupação literária do espaço público. O Rio foi famoso por diversos cafés, bares e confeitarias ligados a biografias de escritores. Cada geração ou movimento estético podiam ser encontrados nas suas respectivas mesas cativas.  

Ainda no século XIX, existiram espaços como o À Fama do Café com Leite, mais conhecido como Café do Braguinha. Tinha também o restaurante do Café Londres, da rua do Ouvidor, e as confeitarias, como as concorridas Paschoal e Cavé. 

Café do Braguinha, ponto de encontro de intelectuais e artistas, em foto de Henry Revert Klumb, c. 1870. Fonte: Site Rio que mora no mar

A mais famosa, porém, era a Confeitaria Colombo, que atravessou gerações tanto na corte de Pedro II como na República, e fez a passagem das gerações de Olavo Bilac para a de João do Rio.  

Confeitaria Colombo, sem data. Centro do Rio – Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro

O historiador Brito Broca lista uma dezena desses espaços boêmios e literários na virada do século: o Café Rio, no cruzamento da rua do Ouvidor e Gonçalves Dias; o Java, no largo de São Francisco; o Café Paris; o Café Papagaio, em que Lima Barreto era assíduo; o Café Globo, entre outros. Eram a base da “boemia literária” que abria o período republicano. 

Nas décadas seguintes, cafés como o Vermelhinho, em frente à ABI, restaurantes como a Taberna da Glória, o Lamas e bares como o Villarino seguiram como espaços em que a literatura e as outras artes se misturavam tardes e noites adentro. Eram locais em que era possível encontrar Drummond, Di Cavalcanti, Mario de Andrade, Djanira, Lucio Cardoso, João Cabral de Melo Neto, Iberê Camargo, Ferreira Gullar, Portinari, Vinícius de Moraes, Rubem Braga e muitos outros nomes das décadas de 1940 – às vezes, ao mesmo tempo.  

Com o crescimento da cidade para a zona sul, muitos cronistas e escritores se deslocaram do centro da cidade em direção às praias de Copacabana, Ipanema e a deserta praia do Leblon. Os novos bares que juntavam escritores e artistas foram o Alcazar e o Mau Cheiro (ambos na beira do mar) e Jangadeiro e Zeppelin.  

Fachada do Bar Jangadeiro. Fonte: Diário do Rio 

Era a época de ouro das crônicas de Paulo Mendes Campos e dos jornais cariocas que se renovavam – como a Última Hora, o Diário Carioca e o Jornal do Brasil – e davam destaque aos escritores da cidade. Nas décadas de 1960 e 1970, o Antonio’s, na rua Bartolomeu Mitre, foi um dos bares mais famosos da cidade, ao abrigar cronistas como Carlinhos de Oliveira e escritores como Antônio Callado, autor de Bar Don Juan, romance de 1971 inspirado nesse universo literário, político e etílico do Rio; e Concerto Carioca, romance de 1985, cuja trama de mistério se passa no bairro do Jardim Botânico.  

Se hoje os bares não são espaços definidores de encontros entre escritores, por conta das mudanças de hábitos, o formato do sarau foi apropriado por diferentes gerações e reinventou seu lugar na abertura para novas vozes de poetas e escritores. A diferença é que os saraus saíram das casas chiques e eventos privados e ganharam praças, bares e ruas em uma nova dinâmica popular.  

São famosos os encontros periódicos do CEP 20.000, no espaço Sérgio Porto do Humaitá, além do Sarau do Escritório, que ocorre na Lapa, dos saraus anuais da Flup, do Poesia de Esquinas, que ocorreu por anos na Cidade de Deus, e muitos e muitos outros espalhados pela cidade.  

Baile de Gala do Sarau do Escritório – 2015. Vídeo disponível no YouTube

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