Praias
Do Leme ao Pontal
Não há nada igual
Do Leme ao Pontal
Não há nada igual
Do Leme ao Pontal, Tim Maia
Entre as referências mais fortes das belezas da cidade do Rio de Janeiro estão suas praias oceânicas. Pra começar — e sempre bom lembrar — a praia de Copacabana, mas junto vem a de Ipanema com sua Garota, e logo a seguir, a do Leblon com seus inocentes — só para associar a canções e poema mais conhecidos. Seguindo a linha do mar, surgem outras praias tão belas quanto frequentadas nos dias de sol, caminhando em direção à zona oeste da cidade, num sem-fim de areias brancas que, por vezes, como na Prainha, são cercadas por montanhas verdes, formando um cenário natural que encanta.
O Rio de Janeiro é uma cidade praiana, como reconhecem — e celebram — muitos cariocas e visitantes. Mas, suas praias nem sempre foram frequentadas. Na cidade colonial, o litoral oceânico era considerado fora dos limites da cidade, era visto como um local selvagem, de águas bravias e difícil acesso. Já as praias da baía de Guanabara, de pouca areia e pedregosas, eram lugar de se jogar os dejetos da cidade, onde se acumulava lixo e de onde provinha mau odor. As aves que se alimentavam de restos e detritos eram as suas frequentadoras mais comuns e a maresia chegou a ser considerada uma emanação de fluidos contaminantes. Nas praias nas quais se desenvolvia a atividade de pesca, não poucas vezes se despejava os rebotalhos das redes e tarrafas.
Foi no século XIX que se inaugurou um novo tempo para as praias cariocas. O príncipe Dom João, antes mesmo de ser coroado rei no Brasil, passou a mergulhar na Praia do Caju para tratar um problema de pele, passando inclusive a utilizar uma residência no local como sua casa de banho. A praia como lugar medicinal tinha começado a ser avalizada por estudos de saúde europeus. E o banho de mar passou a ser visto cada vez mais como prática terapêutica, com uma série de regras que o cercavam: tinha que ser muito cedo, mal despontava o dia, e de curta duração. A partir de meados deste século, algumas paisagens de praia, vistas como lugar de passeio romântico, surgiram na literatura, como no romance A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, publicado em 1844. Nos dois casos, eram as praias da baía a que se fazia referência.
As praias oceânicas só entram no mapa social da cidade a partir dos anos 1920, como local de moradia de setores privilegiados que podiam se dar ao luxo de estar a tal distância do centro, onde se concentravam as atividades laborais. A inauguração do Hotel Copacabana Palace, em 1923, é um marco nesta história. Copacabana, da metade dos anos 1940 em diante, ganha lugar como bairro de elite e, aproximadamente uma década mais adiante, Ipanema — até então considerada um local muito afastado e pouco atraente — surge neste cenário em que a praia se transforma, cada vez mais, em espaço de lazer.
Os bairros costeiros da zona sul se tornam referências de atividades esportivas, de exposição ao sol e expressões de modernidade. Tudo isso ainda dentro de um recorte de classe, motivado não apenas pelo perfil socioeconômico dos bairros, mas pela mobilidade urbana. Nos anos 1970, começam a haver mudanças neste contexto e, especialmente na década de 1980, a inauguração das linhas de ônibus que cruzam os túneis da cidade, até então inexistentes, alteram significativamente a frequência à orla oceânica carioca.
Aos poucos, e com a construção de vias rápidas, a Barra da Tijuca e praias da zona oeste entram no circuito praiano de moradores do subúrbio e baixada fluminense. As praias passaram, então, a serem vistas como lugares democráticos, onde todos da cidade poderiam usufruir de um lazer prazeroso e gratuito. No entanto, continuam a ser reivindicadas por uma parte significativa dos moradores dos bairros de praia como seu lugar de privilégio. Revelando de forma bem-humorada e assertiva esta postura e a disputa, ainda nos anos 1980, surgiu a expressão que depois se popularizou: “nós vamos invadir sua praia”, que ainda continua, de certa forma, atual.
Os arrastões, e, por outro lado, as fiscalizações sobre os passageiros dos coletivos que se dirigem nos finais de semana à zona sul da cidade — jovens, pretos e pobres, sempre — reiteram este refrão. Ainda assim, as praias são cada vez mais alcançadas pela população de bairros não costeiros, e os setores mais privilegiados acabam se distanciando delas. O augúrio “amanhã vai dar praia” é frase acompanhada de um sorriso na boca de muitos cariocas.