Pedra do Arpoador
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Pediram-me que definisse o Arpoador. É aquele lugar dentro da Guanabara e fora do mundo, aonde não vamos quase nunca, e onde desejaríamos (obscuramente) viver”.
Em sua crônica “Contemplação do Arpoador”, escrita na década de 1960, o poeta Carlos Drummond de Andrade verbalizou — como só ele faria — a poesia visual que é o Arpoador. Drummond que, apesar de ser mineiro, morou a maior parte do tempo no Rio, vivia caminhando e apreciando as belezas da região — e, não por acaso, ganhou uma estátua ali perto, em Copacabana.
De fato, a Pedra do Arpoador é um dos locais onde a beleza do Rio se faz mais visível. Em 1989, o local foi tombado “por seu interesse paisagístico, ambiental e ecológico”.
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Pedra do Arpoador e trilho de bonde, tomados das cercanias da residência da família Barreira Vianna, em Ipanema na esquina da avenida Vieira Souto e rua Francisco Otaviano. José Baptista Barreira Vianna, 1902. Acervo IMS
Antes do século XX, o local era deserto e aparece registrado em um mapa francês de 1751 como a “Ponta do Arpoador”. O nome vem da prática da pesca de baleias. As rochas eram utilizadas pelos arpoadores como um “mirante” para avistar os animais que se aproximavam da costa.
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Plan de la Baye et du Port de Rio-Janeiro, 1751. Fundação Biblioteca Nacional
Com as transformações urbanas do século XX, vieram os túneis e outras vias de acesso e o bairro de Ipanema passou a ser mais frequentado. Muitos estrangeiros passaram a residir no local, dando um ar mais cosmopolita ao bairro.
Ipanema foi ganhando importância no cenário cultural da cidade e o Arpoador se destacou como lugar emblemático na formação do jeito de ser carioca. Afinal, foi ali que nasceram o surf e o biquíni, duas “instituições” bem cariocas. A versão mais difundida da história afirma que o biquíni fez sua primeira aparição nas areias do Arpoador, em 1948 — apenas dois anos depois de ter sido inventado pelo francês Louis Réard, em 1946. A pioneira foi a alemã, Miriam Etz — que teria confeccionado, ela mesma, seu biquíni. Para muitos, o novo traje de banho era escandaloso demais. Mas na praia do Arpoador, quase tudo era permitido e dali a moda se espalhou pelas praias da capital.
O Arpoador foi também o principal berço do surf nacional que começou a se popularizar no final da década de 1950. Nomes como Arduíno Colassanti, Irencyr Beltrão, Paulo Preguiça e Jorge Paulo Lemann, fizeram dali um verdadeiro “point” de encontro. Nos anos 1960 o esporte se consolidou com a criação da Federação Carioca de Surf em 1965 e a organização de campeonatos regulares.
Praia do Arpoador, RJ (1952). Arquivo Nacional
Em 1982 foi a vez do Circo Voador subir sua lona bem aos pés da Pedra. O Circo era o resultado da ousadia de um grupo de artistas liderados por Perfeito Fortuna: “O lugar mais caro do Rio foi invadido por uma tribo de jovens enlouquecidos com a possibilidade de criar, de fazer coisas.” A temporada do Circo em Ipanema se estendeu de janeiro a março daquele ano. Apesar do curto espaço de tempo, ele deixou marcas no imaginário da cidade, especialmente na juventude — que se afirmava num contexto de uma ainda incipiente abertura política. Depois disso o Circo voou para a Lapa para se firmar como um dos principais palcos da cidade.
O Circo Voador, em 1982. Autor: Ricardo Chaves, Abril Cultural
O pôr-do-sol visto do Arpoador, com o Morro Dois Irmãos e a Pedra da Gávea ao fundo, é um espetáculo digno de aplausos — como de fato moradores e turistas fazem diariamente. Essa tradição teria começado em algum momento dos anos 1960. O jornalista Carlos Leonam — colunista famoso por lançar modas na cidade — foi um dos maiores divulgadores da prática de bater palmas para o espetáculo produzido pelo sol quando ele se põe. Em 1974 um comercial da marca de maiôs Rhodianyl ajudou a popularizar o hábito em todo o país. Mas a moda nasceu mesmo foi no Arpoador.
E de fato, a beleza desse patrimônio carioca rima com os versos de Carlos Drummond de Andrade:
“O sol recolhia-se com dignidade. Laivos de prata-pérola amorteciam o verde da água. Neutra, a mancha das casas. Montanhas ganhavam leveza de pássaro, sumiam. Senti o balanço, a respiração, o concentrar-se da hora diferente de todas, porque se livrara do tempo, e a mim também me livrava.
Assim é o Arpoador.
Reprodução
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