O direito à Educação Pública
Hoje o território da Maré conta com mais de 50 escolas públicas. O território é pioneiro entre as favelas que contam com cursos pré-vestibular — não apenas direcionado aos mareenses, mas também conduzido por aqueles moradores que passaram pelos bancos universitários. São décadas de luta pela Educação, e moradores e agentes externos têm papel fundamental para a conquista deste direito básico.
Quando foi fundada, entre as décadas de 1950 e 1960, a Igreja Nossa Senhora dos Navegantes — à época considerada pertencente a Bonsucesso — oferecia curso ginasial (atual Fundamental II) aos moradores. Esse foi um meio, encontrado pela igreja, de propiciar o que é responsabilidade do poder público, mas deixa de ser cumprido em alguns territórios.
Foi somente nos anos 1960 que algumas favelas da Maré puderam contar com escolas públicas. A primeira foi a Escola Nova Holanda, inaugurada em 1962 no então Centro de Habitação Provisória local – construído para abrigar removidos de outras favelas do Rio. Os moradores puderam, além de aproveitar a oferta do ensino público, utilizar o espaço da escola de sociabilização – com festas e reuniões de mobilização.
De qualquer modo, ainda que algumas escolas tenham sido construídas na Maré e ao redor, uma série de dificuldades impedia o acesso ou o pleno gozo desse direito por parte das primeiras gerações de criança da Maré, entre as décadas de 1950 e 70. Ivan Calado, atualmente morando no Timbau, lembra dos seus anos escolares, quando morava na Rubem Vaz:
Era difícil. O poder público, naquela época, era muito difícil. Você certo, tu tava errado. Por exemplo, na minha época era camisa branca e uma bermuda curtinha, e meu pai trabalhava de construção civil, com quatro filhos, viúvo, era difícil manter as crianças no colégio. Então, quando ia todo mundo para o colégio, às vezes a gente revezava a camisa, um pegava a camisa do outro sem saber. Os pequenininhos que se davam bem, mas mesmo assim eram poucas vezes. Mas como pegava a camisa de manhã cedo, tinha que lavar a tarde pra sair com ela. Chegava a tarde, tinha que lavar pra sair cedo com ela. E teve época, também, que se a camisa estivesse muito suja, você não entrava no colégio.
Na década de 1980, no final da ditadura militar, a Maré contava com um movimento comunitário forte. Essa articulação, aliada às mudanças na postura do Estado em relação às favelas, levou maiores investimentos em educação no território, principalmente através da implantação dos CIEPs — Centros Integrados de Educação Pública —, política idealizada pelo vice-governador do Rio de Janeiro, o educador Darcy Ribeiro.
Os CIEPs da Maré foram batizados com nomes de figuras importantes para a cultura, a política e para a luta por direitos. Vicente Mariano, dirigente da Federação de Favelas do Estado da Guanabara que enfrentou a ditadura e morreu de infarto em 1971, é o homenageado do CIEP em Bonsucesso; Samora Machel, um dos líderes da Independência e primeiro presidente de Moçambique livre, empresta o nome ao CIEP da rua Evanildo Alves, na Nova Holanda; e o ministro da educação Gustavo Capanema (1934-45) é o homenageado do CIEP da Vila do João Ministro da Educação da Era Vargas.
O jornalista Hélio Euclides, morador do Parque Maré, lembra do que a construção do CIEP Gustavo Capanema, no Pinheiros, significou pra ele:
Eu acompanhava todos os dias da minha casa. Eu ficava olhando a construção. Então você via aqueles aqueles pilares sendo encaixados. O Ciep, o Brizolão, é de encaixe, é tipo um quebra cabeça, então as peças iam se encaixando ali, eu via surgindo ali o Brizolão, né. E eu não sabia como seria o formato, não tinha a menor ideia, então eu via ali o que ia ser feito, a cada dia. E para mim era o máximo, eu ficava admirado com aquilo. Então para mim foi lindo ver aquele Ciep, que hoje está meio abandonado. A prefeitura está tentando terminar uma obra que se arrasta, mas que para mim tem uma grande memória. Minha irmã deu aula lá, depois. Então, tem todo um valor emocional, aquele Ciep, e hoje a Redes tem a sede dela, lá dentro.
Em 2016, a gestão do prefeito Eduardo Paes inaugurou na área algumas unidades ligadas a um novo projeto — as Escolas do Amanhã.
Entretanto, apesar da ampla oferta de unidades educacionais no território da Maré, as operações policiais interrompem aulas frequentemente, dificultando o pleno exercício desse direito.