Educação comunitária como prática da liberdade

Se hoje a Maré possui mais de 50 unidades educacionais em seu território, é porque houve muita luta. Para terem acesso à universidade, a luta começava pela creche, como conta Magá, presidente da Associação de Moradores da Rubem Vaz:

Nós conseguimos trazer uma creche aqui para dentro do Rubens Vaz, a João Chrisóstomo. Foi uma construção junto com os presidentes de associação, junto com a Redes da Maré. (…) Foi uma conquista nossa e do povo da comunidade.

Mulheres da Maré, como Maria Amélia Belfort (que hoje nomeia uma escola de educação infantil em Bonsucesso), tomaram em suas mãos a organização de creches comunitárias, idealizadas e cuidadas por elas. Mesmo assim, elas não abriram mão de reivindicar do poder público o estabelecimento de instituições de educação infantil.

As mulheres da Maré sempre desempenharam papel fundamental nas ações comunitárias de educação e saúde. Nova Holanda – Marcílio Dias, anos 1980. Fundo Anthony Leeds, Fiocruz

Além das ações pelas creches, essas mesmas mulheres se envolveram nas ações de educação comunitária para saúde preventiva desenvolvidas pela Fiocruz – vizinha ao território da Maré – no alvorecer dos anos 1980. As lideranças da Nova Holanda passaram a percorrer ruas e casas para conscientizar a população a respeito da importância da prevenção de doenças. Eliana Sousa Silva, na época uma jovem moradora da nova Holanda, relembra a importância desse trabalho:

Foi um trabalho muito formativo para mim. Mas não era um formativo de fazer curso. Era na prática. […] Na Sala de Espera as pessoas trocavam receitas, foi virando um negócio extraordinário. Você não tem noção o que era a Sala de Espera. A pessoa entrava lá pro Álvaro e a consulta dele demorava 1 hora, cada pessoa. Ele trabalhava com, como é que as pessoas comem: “isso que você come é legal, mas você pode acrescentar isso”. Era uma coisa muito diferente. E na parte da educação, tinha um número muito grande de pessoas que não se alfabetizavam. Então a gente foi para a escola, também, conhecer a Escola Municipal Nova Holanda, que era a escola onde a gente tinha estudado. E lá, tinha uma pedagoga, chamada Rosa Maria e ela era uma pessoa muito interessante, que queria fazer um trabalho que rompesse os muros da escola. Inclusive a dissertação de mestrado dela virou isso. E aí, a gente descobriu uma turma dentro da escola, conversando com a escola, que todo mundo falava: “ah, eu queria aprender a ler”. Uma turma que tinham crianças que há sete anos estavam na escola Nova Holanda e não aprendiam a ler. E aí a gente falou: “pô, então vamos tentar trabalhar a alfabetização nessa relação com a escola, fortalecer a escola”. E aí eu fui fazer parte disso. […] Cara, eu conheci Paulo Freire. Eu tive aula, conversa com Paulo Freire, porque a galera levava a gente pra São Paulo. Quando Paulo Freire virou Secretário da Educação de São Paulo, a gente foi. E a gente aprendeu o método Paulo Freire.

Essas experiências levaram a mais um desafio. Se a questão da oferta do ensino básico às crianças e jovens da Maré estava, em partes, resolvida com a implantação de uma rede pública, a qualidade dessa oferta era prejudicada. A interrupção das aulas em razão de tiroteios, a falta de políticas de segurança que tratassem os moradores como cidadãos plenos de direitos e, por vezes, a falta de compreensão do território por parte de professores externos à Maré, levou muitos jovens a entenderem a importância das reflexões e produção de saberes virem de dentro da Maré, e não apenas por meio de instituições parceiras.

Matéria do Maré de Notícias – outubro de 2010

Mudar a realidade local passava por mudar a maneira de aprender a produzir conhecimento sobre o território por quem mais o vivenciava: o morador. Por isso, depois da conquista das creches e escolas, o passo seguinte do movimento comunitário da Maré foi a luta para ocupar os bancos das universidades.

Na década de 1990 surgem os primeiros pré-vestibulares comunitários na Maré. Pensados, organizados e dirigidos pelos moradores, esses cursos ajudaram gerações de mareenses à aprovação nas universidades. Anos depois, esses mesmos ex-alunos, retornam às salas do curso como professores.

Foto de aula do Pré Vestibular Comunitário do Redes da Maré. Fonte: site Redes da Maré – consultada em 13/07/2023

Eliana cursou a universidade, se tornou doutora e professora universitária. Ela é uma das fundadora dos cursos de pré-vestibular comunitários da Maré, e fala da sua trajetória a partir do trabalho comunitário e o significado da Educação:

Me deu vontade de ir para a universidade. Eu peguei muita afinidade com alguns deles, né? […] Eu falei que queria fazer vestibular, entendeu? Aí começou um processo muito interessante de formação. Eu digo que eu aproveitei muito dessas pessoas, o que elas podiam me oferecer. E a gente fez um trabalho com essa professora Ivanise, que dava aula nessa turma, era uma mulher negra, que era do samba, não era da Nova Holanda, era de fora. Mas a escola ficava atrás, onde era a quadra do bloco Mataram meu Gato. Então a gente foi perguntar às crianças o que elas queriam fazer. Elas queriam trabalhar, tocar… trabalhar com percussão. Vários eram filhos da escola. E aí a gente começou a trabalhar com música, assim, eu não sei o que aconteceu, mas com essa ideia do Paulo Freire, de você estimular, a partir de um interesse. Cara, as crianças alfabetizaram em 1 ano. A gente com essa professora. […] Então, foi um trabalho de fazer as coisas acontecerem. E ao mesmo tempo, a gente criou uma turma de alfabetização de adultos. Eu virei professora, dava aula à noite, na escola. A escola se abriu para receber e ter alfabetização à noite.

Matéria d’O Globo. Abril/1984

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