João Nogueira e o Clube do Samba
Sintoma da febre que tomou o Brasil no fim da década, em 1978 estreava na televisão a novela “Dancing Days”. A disco music — sintetizada pelo tema-título da novela, cantado pelas Frenéticas —, dominava a grade das rádios e as prateleiras das lojas. No extremo oposto, o samba caía preterido pelas gravadoras. Para o cantor, compositor e sambista — e natural do bairro do Méier —, João Nogueira, se nenhuma atitude fosse tomada, em breve ninguém saberia quem era Cartola, e os desfiles de carnaval seriam ao som da “discoteche”.
Flamenguista e portelense apaixonado — e um suburbano de marca maior —, João Nogueira procurou dar sequência ao samba urbano descendente do Estácio. Se auto intitulava um “sambista da calçada”: não nasceu no morro, mas sim no bairro do Méier, Zona Norte do Rio de Janeiro, numa família de classe média. O pai, advogado e músico — dos bons, tocava com gente do naipe de Pixinguinha e Jacob do Bandolim —, foi referência de vida para João, que desde cedo começou a “brincar” com a música. Com seu jeito de cantar quase-atravessado, a voz grave aveludada e um gênio compositor inspirado no trio Noel Rosa, Wilson Batista e Geraldo Pereira, João Nogueira conquistou o respeito e admiração dos maiorais do samba na década de 1970.
Se a distopia que João Nogueira visualizou era exagero ou não, o certo é que ele deu o sinal e subiu a guarda. Convocou grandes bambas do Rio de Janeiro e ergueu suas barricadas feitas de pandeiro, violão, cavaquinho, batucada — e o que mais de samba tivesse —, e fez do quintal de sua casa, na Rua José Veríssimo, 50, no bairro do Méier, um forte de resistência. Em janeiro de 1979 nascia um culto à música brasileira: o Clube do Samba.
O Clube do Samba seguia a tradição dos pagodes de quintal, que iam de manhã e varavam o dia, —regados à muita cerveja, batidinha de limão, angu à baiana e samba de tudo quanto era jeito. Na estreia, reuniu uma centena de cantores e compositores. Havia espaço para velha guarda e para as gerações seguintes. Segundo João, o Clube era aberto “aos sambistas sim; aos bicões, nada”. Presença constante era Beth carvalho, Martinho da Vila e Alcione, mas de quando em quando, nomes como Cartola, Elizeth Cardoso, Clementina de Jesus, Ivone Lara e Nelson Sargento, Chico Buarque, Clara Nunes e Roberto Ribeiro também pintavam por lá.
Apesar de um “quê” improvisado, a agremiação tinha pinta de séria, com estatuto, carteirinha de sócio, título emérito, tudo no papel timbrado — até boletins para os associados foram feitos. O Clube ganhou história própria, com fecha-e-abres, mudanças de sedes, e virou até bloco de carnaval, desfilando pelas ruas do Méier há quatro décadas.
A cobertura em que João Nogueira morou, em frente ao icônico Cine Imperator, também se tornou local de encontro de muitos bambas da música, que compareciam para cantar, tomar umas e curtir uma feijoada ou um caruru, pratos que o próprio João se dedicava a produzir. Por lá passaram Nelson Cavaquinho, Walter Rosa, Nei Lopes, Hélio Delmiro, Joel Nascimento, Zé Katimba, Casquinha, seu companheiro da Portela, e muitos outros.
João se foi no ano 2000. Mas como diz um verso seu: “o corpo a morte leva/ a voz some na brisa/ a dor sobe para as trevas/ o nome a obra imortaliza”. Em 2012, o antigo Imperator foi reaberto, agora acrescido do título de “Centro Cultural João Nogueira”, numa homenagem àquele que foi um dos mais célebres artistas do bairro.