Jabebiracica

Jabebiracica era uma das tabas tupinambás da Guanabara de maior destaque. Localizada no principal porto da baía, ela era tão visitada pelos normandos (povos do norte da França) que estes já a chamavam de “Pepin”, uma referência  ao capitão de um navio que ali desembarcara certa vez nos anos 1540. 

Recorte do mapa de Jacques de Vau de Claye, 1579, com destaque para o atual litoral da Zona Norte, onde se veem anotações sobre os lugares e as forças de defesa da cidade.

A proximidade dos tupinambás com os truchements (franceses que habitavam as aldeias e serviam como intérpretes de outros franceses) e seus descendentes mestiços, fez com que José de Anchieta qualificasse o lugar, em O auto de São Lourenço, como “a aldeia do pecado”: 

“E a tapera do pecado, a de Jabebiracica, não existe. E lado a lado a nação dos derrotados no fundo do rio fica. Os franceses, seus amigos, inutilmente trouxeram armas. Por nós combateram Lourenço, jamais vencido, e São Sebastião flecheiro.”

Era também em Jabebiracica, segundo o relato do viajante francês Jean de Léry, onde as trilhas e os caminhos para outras tabas do interior começavam e terminavam. Ao narrar seu convívio entre os tupinambás, Léry se refere à Jabebiracica como uma aldeia superpovoada e importante, que ficava “a duas léguas” do forte Coligny, na atual Ilha de Villegagnon. Também havia ligação entre Jabebiracica e a aldeia Karióca por terra, e esta via se tornaria a primeira grande rua da “cidade” — o “caminho para Gebiracica”.

Nas fontes portuguesas pós-batalhas de 1567 — que expulsaram definitivamente os franceses da Baía de Guanabara —, além da forma Jabebiracica, utilizada aqui por  ser a que melhor traduz a pronúncia original do tupi antigo, outras referências foram usadas: Gebiracica, Jabebirassiqua, Yabiricica, Jabiracica, Jaburacica, Ibiracica, Ibibuasiqua, Yabibirasiqua, Jeribiracica, Jabibirasiqua e Obiracica. Todas essas formas referem-se ao mesmo lugar dessa comunidade tupinambá. No relato de Jean de Léry, o nome da taba é transcrito com dificuldade, aparecendo com diversas grafias: Jaburaci, Josy-yrasik, Joeyrasik, Yaboraci e Iaver-ur assic. 

Quem decifrou o significado desse nome de taba tupinambá da Guanabara foi o tupinólogo e historiador Frederico Edelweiss, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Em estudo pioneiro sobre os antigos nomes das aldeias do Rio de Janeiro publicado em 1967, Edelweiss afirma que a palavra “corresponde a iabebyr-acyca, que se verte por arraia cotó; cortada; truncada”. A hipótese do tupinólogo é a de que o nome devia fazer referência a uma das muitas espécies de arraias do nosso litoral.

Representação de uma das espécies de arraia (Pseudobatos horkelii) presentes no litoral carioca. Esta também pode ser chamada arraia-viola ou arraia-viola-de-focinho-longo.

Estimadas pelos tupinambás, as arraias eram muito úteis. Os guerreiros usavam seu ferrão para confeccionar flechas destruidoras e penetrantes. O nome pode ser, portanto, uma referência à proliferação das arraias que habitavam o fundo da então enseada localizada em frente  à comunidade, ou até mesmo fazer alusão a um líder, uma vez que as aldeias também eram reconhecidas pelos europeus, pelo nome de seu morubixaba mais importante.

Quem ajudou a traçar a localização de Jabebiracica foi um de seus moradores indígenas mais ilustres: Arariboia. José de Anchieta sabia da importância dessa taba para os tupinambás da Guanabara, assim como para os maracajás (maneira pela qual os temiminós eram chamados, pejorativamente, pelos tupinambás). Em 1568, no ano seguinte às vitórias decisivas de Uruçumirim e ParanapucuArariboia ocupou, com sua gente, essa aldeia tão cobiçada. Segundo o padre Simão de Vasconcellos, ali os maracajás se regozijaram com “as relíquias dos tamoyos vencidos”.

A partir de então, esse local passou a ser indicado nos mapas e documentos como a “Aldeia de Martinho”, uma referência a Martim, o nome cristão de Arariboia. Nesse mapa, nota-se que persiste, no nome do rio que serve a localidade, a presença da taba original: “Ibuburacica”. Outra fonte histórica dessa circunstância está no mapa do espião francês Jacques de Vau de Claye, de 1579, em que ele escreve o topônimo de Ararone no mesmo local antes ocupado pela aldeia de Jabebiracica.

Mapa com representação de algumas aldeias e tribos. Jabebiracica aparece no alto, à esquerda. Retirada do livro “O Rio antes do Rio”

Ao que tudo indica, de acordo com as muitas fontes consultadas, essa aldeia existiu aos pés do morro da Babilônia, na área abrangida desde a igreja de São Francisco Xavier até o Colégio Militar, no atual bairro da Tijuca, sendo o rio Trapicheiros a referência de água que servia à Jabebiracica tupinambá.

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