Uruçumirim

Tamoios enfrentando Temiminós, aliados dos portugueses, em batalha na Baía de Guanabara. “Batalha entre indígenas”, gravura de Theodoro de Bry (1557) – Reprodução do livro Duas Viagens ao Brasil de Hans Staden

Uruçumirim é um líder tupinambá, um lugar e também uma batalha. Sob o ponto de vista histórico pode ser considerado o marco de fundação da cidade. Antes de Uruçumirim, os europeus não tinham controle sobre os territórios da Guanabara. Viviam amedrontados, famintos e entrincheirados no pequeno terreno da várzea entre o mar aberto e o Pão de Açúcar. Por diversas vezes, quase foram massacrados pelos indígenas. A partir da tomada de Uruçumirim e da derrota dos guerreiros tupinambás é que a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro passa a existir, no que foi nomeado como Morro do Descanso e depois recebeu a alcunha de Morro do Castelo, uma vez que os portugueses se encastelaram para fundar um novo Rio, que de indígena passou a colonial.

Na Guanabara os nativos se organizaram, se fortificaram e se uniram para enfrentar o domínio colonial de maneira registrada em poucos lugares do Brasil. O período de 1540 a 1567 é marcado pela resistência a esse domínio, o que culminou no que conhecemos como Uruçumirim. Há apenas uma fonte primária do que ocorreu em 20 de janeiro de 1567 no atual Morro da Glória. Trata-se justamente do documento “Instrumentos de serviços”, datado de 1570, feito pelo então governador-geral português Mem de Sá. No comando dessa empreitada, Mem de Sá adentrou na Guanabara dois dias antes com todos reforços que conseguiu recrutar na costa colonial brasileira — de Pernambuco a São Vicente. Foram mobilizados e cooptados barcos e homens dispostos a partir para a Guanabara, entre eles aliados indígenas.

O documento é uma prestação de contas de Mem de Sá à rainha Catarina de Portugal, que tanto havia cobrado a fundação da cidade. Mais do que uma necessidade dos governantes lusos, vencer Uruçumirim na verdade era uma imposição da coroa portuguesa, que havia enviado uma esquadra de Lisboa com essa finalidade. Não existia mais batalha contra os franceses, derrotados em 1560 quando da destruição do forte de Villegagnon. A guerra agora era, principalmente, contra os indígenas, que representavam um grande obstáculo à conquista da Guanabara. A última resistência era, portanto, a fortaleza tamoia — os Tamoios eram uma “reunião” de Tupinambás que lutaram contra as investidas lusas, por vezes com aliança com os franceses.

Outeiro, Praia e Igreja da Gloria, Nicolas Antoine Taunay, circa 1817

Milhares de indígenas e cerca de duas dezenas de franceses, que entre os guerreiros viviam, estavam entrincheirados no alto de um promontório escarpado à beira-mar com artilharia e canhões, protegidos por uma grande paliçada tupinambá. A armada de Mem de Sá chegou ao Rio de Janeiro em 18 de janeiro de 1567. O ataque à fortaleza de Uruçumirim ocorreu de imediato. Urgia não deixar que os tupinambás convocassem guerreiros de outras aldeias da costa, do interior e de outras partes do território. Um dia a mais de espera para o ataque e talvez, hoje, estivéssemos contando outra história. Podemos imaginar o desespero dos tupinambás do lado de dentro da paliçada e a correria a convocar as aldeias vizinhas assim que avistaram a grande quantidade de barcos que adentravam a baía.

O termo “Uruçumirim”, por incrível que pareça, é uma criação ou percepção do historiador jesuíta Simão de Vasconcellos, que escreveu sobre esse dia cerca de oitenta anos depois, dizendo ser “Uraçumirim” o nome da fortificação – o que foi seguido por outros historiadores. No entanto, Mem de Sá afirma que combateu a fortaleza de “Ibirauaçu-mirim, grande principal e muito guerreiro que estava num paço muito alto e fragoso com muitos franceses e artilharia”. Segundo o documento, Ibirauaçu-mirim foi um dos últimos líderes da Confederação dos Tamoios.

A fortaleza foi erguida nas proximidades das aldeias da Karióca e de Guiraguaçu – o melhor local para se defender a atual costa do “centro” da Guanabara. Por ser a localização escolhida pelos tupinambás bastante estratégica, a batalha não foi fácil para os portugueses, por isso “foram mortos e feridos muitos cristãos”, entre eles ninguém menos que o capitão das forças de conquista, Estácio de Sá, vazado em sua armadura por uma flechada mortal.

Antônio Parreiras, “A morte de Estácio de Sá”. Wikimedia Commons

Ao fim de horas de combate, os europeus levaram a melhor, devido ao grande contingente e armas que traziam. Os franceses “tupis” foram mortos e ainda se “renderam e cativaram nove ou dez”. Evidentemente, é impossível calcular as baixas entre tupinambás, mas estima-se terem sido centenas de homens. Os sobreviventes recuaram para, então, resistir em outra fortaleza, esta comandada por Paranapucu, filho de Pindobuçu, na atual Ilha do Governador. Ainda foram precisos mais dois dias de intensos combates para que os lusos pusessem fim à autodeterminação da Guanabara. Deu-se início a um período de diáspora e de escravização para os tupis.

Paisagem da Glória, Henry Chamberlain, 1821

No local que ficou conhecido como Uruçumirim, travou-se o combate definitivo pelo controle da Guanabara e, dali, em 20 de janeiro de 1567 seria traçado o destino do Rio de Janeiro.

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