Futebol II

A criação da Liga Carioca de Futebol, em 1933, é considerada um marco no processo de profissionalização do esporte. A nova liga, que só contava com jogadores profissionais, foi reconhecida pela Confederação Brasileira de Desportos e, a partir daí, dois campeonatos passaram a ser realizados no Rio: um profissional, organizado pela Liga Carioca de Football (LCF), e outro amador, conduzido pela Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (Amea). Só em 1937 as duas foram unificadas na Liga de Football do Rio de Janeiro.  

A partir dos anos 1930, se estendendo pelo período do Estado Novo (1937 a 1945), o futebol passou a ser usado politicamente, ganhando força como símbolo da identidade nacional. O mito da “democracia racial”, que figurava nos escritos de antropólogos, historiadores e importantes pensadores nos anos iniciais do século XX, também aparecia nos discursos jornalísticos e crônicas esportivas do período. Um dos que ajudou a reafirmá-lo foi o jornalista Mario Filho (irmão de Nelson Rodrigues), que hoje dá nome ao estádio do Maracanã, e foi proprietário do Jornal dos Sports, publicação que chamava atenção pela inusitada cor rosa de suas páginas. 

Notícia do primeiro gol profissional de Roberto Dinamite no Jornal dos Sports. Hemeroteca da Biblioteca Nacional, 26/11/1971, ed. 13488, p. 1. Foto retirada do site O Curioso do Futebol

A ideia do futebol como representação da identidade nacional, esporte democrático e inclusivo, disputado em partidas que incluíam pessoas de todas as camadas sociais, tanto nos campos quanto nas arquibancadas, era muito difundida pela grande imprensa. O destaque dos jogadores Leônidas da Silva e Domingos da Guia na Copa de 1938 colaborou para a criação da imagem de heróis nacionais negros, o que ajudava a legitimar essa ideia. Atualmente há muitas discussões sobre racismo, inclusive no futebol, comprovando que a democracia racial nunca passou de um mito, efetivamente. 

Recepção da delegação brasileira no Rio de Janeiro, após conquistar o 3º lugar na Copa de 1938, na Suécia. Fundo Correio da Manhã/Arquivo Nacional. Foto retirada do site da CBF.

A partir da década de 1950, os campeonatos entraram no gosto dos cariocas.  Mario Filho criou o Torneio Rio-São Paulo, embrião do Brasileirão de hoje. E a chegada da televisão deu impulso ainda maior ao esporte, com as imagens acrescentando emoção aos torcedores que já vibravam com o rádio. A dupla Leo Batista e Luis Mendes tomava conta do vídeo no canal 13, TV Rio. Mas muitos lares substituíam o som da TV pela narração radiofônica de Odvaldo Cozzi ou Waldir Amaral, revelando a importância dos locutores esportivos e dos comentaristas.  

As mesas redondas começaram a dominar as noites de domingo. A pioneira foi a Grande Resenha Facit, na TV Rio, comandada por Luís Mendes, com participação dos melhores comentaristas da época: Armando Nogueira, Nelson Rodrigues e João Saldanha, por exemplo, que discutiam valorizando seus clubes de preferência. Essas atrações foram se espalhando por outros canais, e as noites de domingo acabaram por se tornar “horário nobre”. 

Nelson Rodrigues, além de comentarista esportivo, era também escritor, dramaturgo e, acima de tudo, torcedor ferrenho do Fluminense. Com a genialidade de sua pena, criou personagens inesquecíveis. Entre eles, Sobrenatural de Almeida e Gravatinha. Ambos eram fantasmas que assombravam o time tricolor. Sobrenatural de Almeida tinha o poder de interferir nas partidas de futebol, sempre prejudicando o Fluminense, o que explicava os gols perdidos, os frangos dos goleiros e, claro, as derrotas. Gravatinha, porém, tinha habilidade oposta: quando aparecia no estádio, era vitória certa do Flu. Outros personagens rodriguianos também habitaram o universo futebolístico da época.  

E já havia, claro, outros cariocas brilhantes apaixonados por futebol. Lamartine Babo, grande compositor, fez hinos para quase todos os clubes da cidade. Ary Barroso, autor de Aquarela do Brasil, chegou a ser locutor esportivo e comentarista. Odiado por muitos cartolas, teve que narrar jogos equilibrado em cima de telhados, porque era proibido de entrar nos estádios. Mas havia, ainda, aqueles que não gostavam do esporte: Lima Barreto e Graciliano Ramos, por exemplo, tinham horror à violência das partidas. 

A marca do futebol carioca, até hoje, é o Estádio do Maracanã, construído especialmente para Copa de 1950. Depois de mais de uma década sem a realização de copas, devido à Segunda Guerra Mundial, o Brasil sediou o evento e o Maracanã foi palco da fatídica derrota da seleção brasileira para o Uruguai. A última partida da copa contou com o maior público de todas as partidas de todas as copas: 199.854 pessoas. Isso só foi possível porque havia a “geral”: lugar democrático e barato, onde se reuniam os torcedores de todos os clubes, até mesmo aqueles de mais ferrenha rivalidade. A geral era o lugar onde tudo acontecia. Com os radinhos colados aos ouvidos e os olhos no campo, os torcedores deixavam aflorar suas lágrimas e seus risos. Imitavam os apitos, confundindo os juízes. E recebiam “pacotes voadores” não muito agradáveis, vindos das arquibancadas. Era lá, porém, que queriam estar. Era lá que os corações vibravam de emoção.

A Geral do Maracanã no final da Copa de 1950. Site Eliomar Coelho.

E então vieram os craques cariocas: Castilho, Leônidas da Silva, Nilton Santos, Didi, Domingos da Guia, Carlos Alberto Torres, Zico, Romário, Ronaldinho Fenômeno, Garrincha, Roberto Dinamite e Gérson (estes 3 últimos foram incluídos, embora não tenham nascido na cidade do Rio, pela inegável habilidade e por terem construído aqui a carreira profissional). Esta é a nossa seleção carioca. Você pode fazer a sua!  

Zico comemorando gol contra o Cobreloa do Chile, na Final da Taça Libertadores da América de Futebol, no Estádio do Maracanã – 1981. Site Imortais do Futebol.

E as décadas foram passando, o futebol foi se espetacularizando e se elitizando, o Maracanã perdeu a “geral”. Veio a Copa de 2014, o Engenhão, o 7 a 1, a final sem o Brasil no Maracanã. Ainda assim, o futebol continua mexendo com o coração e com a alma carioca. Não é por acaso que o esporte tem inúmeras variações por aqui, da altinha ao futevôlei, do futebol de botão ao preguinho. Como dizem por aí, todo carioca já tem um time antes mesmo de nascer ou de ter o seu nome de batismo escolhido pelos pais. 

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