Conjuração Carioca
Em 1792, Tiradentes foi enforcado no campo de São Domingo — praça que hoje leva o nome do sentenciado — em um espetáculo que buscava ser exemplar àqueles que ousassem questionar a autoridade da Coroa portuguesa. Dois anos depois, porém, o vice-rei do Brasil, José Luís de Castro, conde de Resende, se escandalizava com denúncias de reuniões sigilosas, nas quais colonos debatiam as mesmas ideias que levaram o inconfidente mineiro à forca.
O vice-rei tinha motivos para se apavorar. Autores iluministas, como Voltaire — ou Vulter, em sua versão abrasileirada —, e periódicos que informavam e exaltavam os rumos da Revolução Francesa estavam proibidos de circular entre os colonos. Eles corroíam a legitimidade do governo. Na visão da administração colonial, esses “escritos sediciosos e incendiários” plantavam “a semente da insurreição entre vassalos de seus respectivos soberanos”. E para desespero da Coroa, as “odiosas francesias”, por vezes, escapavam à censura lusitana e passavam a instigar o imaginário político dos colonos.
Um grupo de letrados, em especial, passou a se reunir para discutir aqueles ideais revolucionários. Os encontros aconteciam semanalmente, na casa do poeta Manuel Inácio da Silva Alvarenga, na rua do Cano, atual rua Sete de Setembro. Ali funcionava a Sociedade Literária do Rio de Janeiro — uma associação inicialmente com fins acadêmicos e científicos, mas que, em 1794, se convertera em um espaço onde se debatiam bem-comum, igualdade, república e democracia. A maior parte de seus membros era de médicos e boticários. As reuniões eram secretas, mas as ideias espraiavam, ganhando novos rumos tão logo a noite virava dia.
Na rua do Cano, funcionavam as principais boticas da cidade. Ali, a população do Rio de Janeiro encomendava seus medicamentos, unguentos e afins. Esses estabelecimentos eram propícios para propagação daquelas conversas subversivas: bastava o cliente espichar os ouvidos, escutar o que os médicos e boticários diziam e ir matutando, ele mesmo, o conteúdo daquele diálogo — isso quando não opinava no fuxico. Dos balcões das boticas para espaços públicos como o chafariz do Mestre Valentim, na atual praça Quinze de Novembro, as ideias se espalhavam pelo ar na velocidade do som.
Ao ser informado da existência das tais reuniões, o conde de Resende resolveu arrancar o mal pela raiz. Proibiu as atividades da Sociedade Literária e prendeu onze de seus membros na fortaleza no morro da Conceição. A chamada Conjuração do Rio de Janeiro não chegou a constituir um plano para derrubar o poder colonial. Mas o vice-rei do Brasil, temendo o mal maior, manteve os letrados suspeitos trancafiados por dois anos, sem acusação formal.
Este texto foi elaborado pelo pesquisador Davi Aroeira Kacowicz do Projeto República (UFMG).