Cinco Bairros, Cinco Elzas

Aluno: Marcos Aurélio
Turma: 215

1° Elza – Nascida para Conquistar Padre Miguel

Em 1930, Dona Rosária e seu Avelino estavam cuidando de sua filha recém nascida. Eles a batizaram de Elza, essa pequenina, que vivia em Padre Miguel, na favela Moça Bonita (que hoje é a Vila Vintém). Mas o que aqueles pais não sabiam é que anos depois, sua filha chamada Elza Gomes da Conceição, iria ser conhecida como Elza Soares, e esse bairro da Zona Oeste do Rio (Padre Miguel) iria ser uma das melhoress partes da história de Elza.
Padre Miguel foi muito importante na vida de Elza, tantas foram as vezes que ela cantou, sambou e se divertiu neste bairro. Ela também cantou e sambou em uma das escolas de samba do bairro, a Mocidade Independente de Padre Miguel, que era a escola do coração de Elza. No ano de 2020, esta mesma escola a homenageou com o enredo de samba, chamado “Elza Deusa Soares” com uma letra linda: “Laroyê e mojubá liberdade Abre os caminhos pra Elza passar Salve a Mocidade Essa nega tem poder É luz que clareia É samba que corre na veia”. É bom ressaltar que Elzinha foi a primeira mulher a puxar um samba enredo na avenida. O ano foi 1967, quando ela cantou o samba enredo ‘O Mundo Encantado de Monteiro Lobato’, pela Mocidade Independente de Padre Miguel. A Elza de Padre Miguel nasceu para conquistar esse bairro, não somente ele, mas muitos que vieram.

2° Elza – Lambida por Vaca e Uma Benção para Vida Toda

Elza foi morar muito pequena em Bangu. Seu pai Avelino trabalhava na antiga fábrica de tecidos. Embora Padre Miguel não seja tão longe da fábrica, seus pais acharam melhor sair de lá e morar em uma casa simples no bairro onde o pai dela trabalhava. A fábrica deixou de existir em 2005 e, em 2007, ela se tornou o Shopping Bangu.
Foi nesse bairro – também localizado na Zona Oeste do Rio – que Elza Soares foi lambida pela vaca mais perigosa da região, perigosa somente para outras pessoas, pois a pequena Elzinha não estava com medo. Todos em volta estavam desesperados e gritavam, pedindo com cuidado para não assustar a vaca. Mas, enquanto isso, Elza recebia seu batismo lambido sem medo. Quando de repente sua mãe tirou Elza de lá e a pegou no colo, a menina não entendia o porquê de sair de lá, mas sua mãe tirou ela do local.

Mas o que Elza não sabia é que, depois, ela iria receber outro batismo. Ainda em Bangu, com cinco anos, Elza dormia quando de repente foi acordada por São Jorge e um Caboclo. Ela rapidamente quis puxar assunto com o Caboclo, mas ele não quis conversar. Ela se dirigiu ao santo e fez um pedido para ele: “São Jorge, posso pedir pro senhor dizer para meu pai não me bater tanto assim? Eu prometo que vou ser uma menina boazinha, São Jorge, eu não vou ficar aprontando muito não…” Elza Soares disse que ele respondeu com um tom de profecia, dizendo que ela ia apanhar muito ainda. Em sua biografia, ela falou sobre o assunto e disse: “Mal sabia eu que ele queria dizer que eu iria apanhar mais da vida do que do meu pai”. Assim que acabou o acontecido, a menina saiu correndo para contar a sua mãe, a mesma muito espiritualizada acreditou e disse para ela lembrar disso sempre. Sua avó Cristina, mãe de sua mãe, não gostou de ouvir a história e disse que Elza só inventava coisas. A religião e a fé estavam muito presentes na família e na vida de Elza. Em Bangu, seu pai recebia João Magro, seu amigo que cantava ladainhas. Um bolo de milho feito pela sua mãe no final da reza saia do forno. A Elza de Bangu foi lambida para através de sua voz lamber todos com salivas da verdade preta e feminina. Ela foi abençoada para abençoar todos aqueles que ouviram falar de Elza Soares, pois quem ouve falar de uma pessoa abençoada nunca esquece!

3° Elza – Cabra, Lata D’água, Um Certo Soares e Uma Voz Que Arranha

Foi no Bairro de Água Santa que Elza cuidou de um rebanho de cabras, um ganha pão que ela fazia para ajudar a família. O rebanho pertencia ao ex Juiz de Futebol e comentarista esportivo, Mário Vianna. As cabras ficavam com Elza para pastarem nas redondezas e para os filhotes mamarem. A pequena menina descobriu que podia mamar nas cabras, ela bebia do leite para estar alimentada o resto do dia. Não havia desconfiança de ninguém sobre a menina, porém Mário Vianna certa vez reparou que os cabritinhos estavam muito magros e perguntou para a garotinha se as mães estavam rejeitando os filhotes. Elza disse que as cabras estavam amamentando e que de repente os filhotes estavam com algum tipo de doença. O que ele não sabia é que Elza tomava todo leite das cabras e tinha vezes que chamava seus amigos para mamar também. Foi nessa de convite que ela diz em sua biografia quase ter matado seu primo Paulinho.

Ela perguntou para seus primos Paulinho e Joãozinho se eles queriam mamar na cabra, eles duvidaram se Elza estava mesmo querendo fazer aquilo e pediram para que ela fosse primeiro, a cabra já acostumada com ela nem se moveu, porém com Paulinho a cabra se moveu, e assim que ele colocou a boca em sua teta, ela deu-lhe um coice que fez o menino voar longe e ficar desacordado. Paulinho quando caiu – após ter tomado o coice – quebrou o nariz, mas felizmente ele ficou e por fim ele e Joãozinho nunca mais chegaram perto da cabra, porém Elza continuou bebendo leite das tetas do animal.

Em Água Santa, o pai de Elza Soares trabalhava em uma pedreira perto da região. Elza tinha o costume de levar o café da manhã para ele. Para levar o café de seu pai, ela passava por matos e nesses matos tinha louva-deuses, a pequena menina tinha o costume de imitar o som do inseto. Foi imitando o inseto e levando o lanche de seu pai, que Elza foi surpreendida por um menino italiano, que também era morador de Água Santa. Ele saiu do mato e a agarrou por trás, Elza se defendeu e partiu pra cima dele com chutes, ele não abaixou a cabeça e foi pra cima dela, os dois brigando feio no mato; de repente o pai de Elzinha aparece. Seu Avelino vendo de longe achou que os dois estavam fazendo sexo no mato e, naquele tempo, se você transasse era obrigado a casar. Quando a menina de 13 anos se deu conta, seu pai a tirou do que ele acreditava ser uma cena de sexo. Elza se viu casando com quem não estava apaixonada. Quando seu pai disse que ela ia ter que casar com Lourdes Antônio Soares, o menino da briga, Elza disse em sua biografia que deu como resposta “Eu falei que, se eu casasse, iria bater muito nele”.

Ainda em Água Santa, Elza carregava muita lata d’água na cabeça. Foi através da imitação do louva-deus e principalmente com a lata d’água em sua cabeça que Elza Soares aprendeu essa voz arranhada, esse som emitido por uma garganta de ferro como era a da cantora. Elza Soares, com sua voz forte, decidiu ir para o programa de calouros da época, o “Calouros em desfile”, apresentado por Ary Barroso na rádio Tupi. Elza tinha que ir bem arrumada, então ela pegou uma roupa da mãe que pesava alguns quilos a mais que ela. E lá foi ela, mas antes de sair disse para os pais que ia visitar um parente que morava com os padrinhos em Santa Tereza. Chegando para a sua apresentação, Elza teve que fazer uma seleção e passou. Antes de cantar, seu Ary fez perguntas, “O que você veio fazer aqui?”, disse ele, “Eu vim cantar, Seu Ary”, respondeu Elza, sem entrar no jogo do apresentador que era famoso por provocar os calouros, “E quem disse que você canta?” “Eu, Seu Ary.” Ele percebendo que ela não estava cedendo, fez uma pergunta mais provocadora ainda: “Então agora me responda menina, de que planeta você veio?” Elza responde: “Do seu planeta, Seu Ary!” Ele um tanto irritado retruca: “E posso perguntar que planeta é esse?”. Rapidamente Elza diz: “Planeta Fome!” As pessoas pararam de rir e se sentaram nas cadeiras, Seu Ary Barroso pediu para Elza cantar. Ela cantou “Lama”, que em 1952 foi um sucesso na voz da cantora Linda Rodrigues.

4° Elza- A Voz do Milênio e Mulher do Fim do Mundo, Canta no Maracanã e A Carne é RepresentadaAnos depois, em 2021, Elza teve um mural em sua homenagem no bairro de Água Santa, feito pelo grafiteiro Cazé e idealizado por Pedro Rojão no movimento Negro Muro. A Elza de Água Santa teve força de cabra para lutar contra muitas bombas que a vida estava preparando para ela. Foi em Água Santa que Elza Gomes da Conceição se tornou Elza Gomes da Conceição Soares! Um que por acidente entrou em seu nome, mas que depois virou um som artístico ecoado por todos os lados e shows: o som chamado Elza Soares.

4° Elza – A Voz do Milênio e Mulher do Fim do Mundo, Canta no Maracanã e A Carne é Representada

Em 1999, já conhecida pelo mundo todo como Elza Soares, a cantora ganhou um prêmio internacional o qual a nomeava “A Voz do Milênio”. O prêmio foi feito pela rádio BBC de Londres. No ano de 2002 Elza lançou um álbum chamado ‘Do Cóccix ao Pescoço’. Nesse álbum, tem uma música que virou um dos grandes sucessos da cantora, a música ‘A Carne’, que fala sobre racismo, desvalorização da sociedade com as pessoas negras e a resistência de nós seres humanos negros!

Cinco anos depois, Elza foi convidada para cantar o Hino Nacional nos Jogos Pan-Americanos, onde todos ali presentes se emocionaram ao ouvi-la cantar o Hino à capela. Nossa Voz do Milênio representou mais uma vez nossa cor, mas dessa vez foi no bairro do Maracanã, no estádio do Maracanã! O que aquela moça linda de vestido amarelo não sabia era que, nove anos depois, ela iria voltar naquele bairro para cantar no mesmo estádio mais uma vez. Foi em 2016 que novamente a nossa Voz do Milênio voltou ao Maracanã, mas agora ela volta como “A Mulher do Fim do Mundo”, título recebido através de um álbum com o mesmo nome e uma música desse álbum.

A importância de termos uma mulher preta cantando no Maracanã, ou simplesmente cantando, é enorme, pois isso mostra que nós negros temos vozes. Quando Elza cantou no Maracanã, tanto em 2007 e 2016, ela representou negros, mulheres e idosos. É isso que a Elza do Maracanã representa: as vozes caladas onde ela mesmo diz que é importante a gente falar e não se calar!

5° Elza – A Periferia Deu Com O Pé Na Porta de Copacabana

Elza vai morar em Copacabana em uma data não divulgada, mas eu não estou aqui pra falar a data que ela foi morar em Copa, mas sim o quanto isso é revolucionário. Uma mulher, preta e periférica morar em Copacabana, fala sério, quem imaginaria isso? Elza quebrou muitos paradigmas, inclusive no período em que estava morando nesse bairro da Zona Sul, Elza namorou um menino que era 47 anos mais novo que ela. Elza estava vivendo um romance com ele e estava bem feliz, fazia tempo que não se sentia assim desde o Garrincha, aquele que trouxe duas Copas do Mundo pro Brasil e que jogou no Botafogo.

Mas o que de fato eu queria ressaltar é que a nossa ‘Mulher do Fim do Mundo’ já era idosa quando isso aconteceu, e esse fato só comprova que Elza Soares era revolução, era falar pelos calados, Elza era quebrar paradigmas, Elza era resistência.

Anos depois, ela se separou do menino e foi namorar outro, Bruno. Elzinha dessa vez namorou um rapaz que a diferença de idade entre eles era de 52 anos. Essa mulher não cansava de quebrar paradigmas. Aquela menina que nasceu em Padre Miguel, morou em Bangu, foi criada em Água Santa, cantou no Maracanã, é a mesma que morou em Copacabana e fez seus feitos revolucionários.

Elza Soares era a periferia preta feminina em pessoa, ela exalava o perfume de Zona Oeste e Zona Norte, e não deixou que sua moradia em Copacabana a fizesse esquecer disso. Por isso, nossa cantora cantou e gritou através da arte seus avisos fortes, verdadeiros e muitas vezes polêmicos para a elite Brasileira. Essa senhora é um exemplo de força, resiliência e resistência!

Foi em Copacabana que Elza Soares faleceu. Nasceu em Padre Miguel na data 23/06/1930 e veio a falecer em 20/01/2022. O país lamentou sua morte, mas, um ano depois, o Brasil recebe um novo álbum de Elza Soares, o álbum ‘No Tempo Da Intolerância’ , lançado em 23/06/2023. Esse é um álbum diferente, pois sete das dez músicas do álbum são de autoria da cantora, as outras três foram escritas por Rita Lee (Rainha Africana), Pitty (Feminelza) e Josyara (Mulher pra Mulher). Inclusive a última música do álbum cita Copacabana, o nome da música é ‘No Compasso da Vida’. Uma curiosidade contada em uma entrevista dada pelo empresário de Elza sobre o assunto: Pedro Loureiro disse que são músicas escritas por ela em anos e momentos diferentes de sua vida e que tem algumas que Elza chegou a mostrar na hora de gravar um disco, mas nunca aceitaram.

A Elza de Copacabana representa a força de uma mulher preta periférica que apanhou muito da vida para chegar onde chegou. Elza de Copacabana deu com o pé na porta do bairro e se tornou eterna, mas não pelo fato de ter morado em Copa, mas de não ter deixado ele mudar quem era ela, A Mulher do Fim do Mundo não tinha vergonha de quem era. Outro fato de Elza ser eterna é que mesmo depois de seu falecimento foi lançado mais um soco na cara da sociedade, o álbum ‘No Tempo da Intolerância’ foi Elza deixando seu recado: o recado de Elza Gomes da Conceição Soares. A importância e o porquê desse trabalho! Fugindo dos tópicos, Elza é uma das minhas referências. Esse trabalho é o meu grito, é eu cumprindo com que prometi para mim mesmo. Eu disse onde ia e se me derem oportunidade, eu vou sempre falar de Elza Soares, e aqui estou eu falando da minha referência mais uma vez!

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