Boitatá

Oriundo da cultura tupi, o Boitatá é um dos personagens mais conhecidos do folclore brasileiro. Na história contemporânea do Brasil, em geral é na pré-escola que passamos a conhecer a lenda de uma cobra boazinha que se transforma em fogo para proteger as florestas e os rios dos caçadores e homens maus. No entanto, a lenda, ou a “figura” do Boitatá, foi registrada por um cronista em fontes históricas quinhentistas uma única vez em poucas frases.

É do padre Anchieta a comprovação de como as cobras eram percebidas e temidas na mitologia tupi. Numa carta de São Vicente datada de 1560, ele relata sobre uma entidade tupi que afirma ser Mbaé (coisa) Tatá (fogo), “coisa de fogo”, “o que é todo fogo”. O “baetatá” acontecia “máxime nas praias”, porque esses seres “vivem a maior parte junto do mar e dos rios” e sobre ele “não se vê outra coisa senão um facho cintilante correndo daqui para ali”. Segundo Anchieta, a coisa de fogo “acomete rapidamente os índios e mata-os, como os curupiras, o que seja isso ainda não se sabe como certeza”.

O Curupira, outra lenda indígena. Manuel Santiago, 1926. Wikimedia Commons 

Com esse relato, é possível termos ciência de que os “baetatá” eram entidades das quais os tupis tinham receio, pois os “baetatá” podiam até matar sem qualquer razão aparente. Segundo esse único registro, “todo fogo” não era exatamente uma cobra, mas um rastro de luz. 

Representação do Boitatá. O homem na canoa teme pelo fogo que se espalha. Fonte: Liber Proeliis

Em 1566, durante as batalhas pela conquista e defesa da Guanabara, uma emboscada massiva de canoas tupinambás ficou conhecida por ser abortada após a queima acidental de toda a pólvora em um dos batéis portugueses. Os tupinambás se impressionaram com o facho de fogo produzido e recuaram de um ataque que seria vitorioso pela desproporção dos contingentes em combate. Um sinal tenebroso de “baetatá” salvou os lusos do massacre.  

Já no século XX, o historiador Luís da Câmara Cascudo concluiu que as lendas do boitatá e da coisa de fogo podem estar associadas ao então fenômeno natural inexplicável, na época, do “fogo-fátuo”. Trata-se da combustão natural de matéria orgânica em decomposição que, ao acumular metano e fosfina, inflamam-se espontaneamente no ar, em contato com oxigênio, provocando queima de gases. Um facho de luz e fogo que pode ser visto no mar, nos rios, mangues e locais com muita matéria orgânica enterrada, como aterros sanitários e cemitérios.   

Representação gráfica e associada à mitologia do que seriam os “fogos-fátuos” em um pântano. Fonte: site Seres Mitológicos

Para quem está perto do fenômeno, a reação instintiva é correr, mas o deslocamento de ar acaba puxando a flama para mais perto, dando a percepção de que o “espírito”, o fantasma, ou o Boitatá está perseguindo a pessoa. É capaz de se morrer de susto mesmo, afinal, embora possa ter uma explicação científica, sempre veremos um Boitatá atrás de nós.

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