Big Boy e o Baile da pesada
“Hello crazy people!”: ao ouvir essa saudação, nos anos 1960 e 70, o público sabia que estava começando o “Big Boy Show”. Apresentado por Newton Duarte, o carismático e irreverente radialista mais conhecido como Big Boy, o programa da Rádio Mundial AM começava sempre com o bordão “a Mundial é shoooow musical!”. Animado, dançante e inovador, o ali era lançado em primeira mão as novidades da música estrangeira e transformou para sempre a linguagem do rádio brasileiro, trazendo uma abordagem mais jovem, espontânea e próxima do público.

Durante o dia, Newton Duarte era um tímido professor de geografia; à noite, tornava-se o mais importante disc jockey (ou, simplesmente, dj) do país. Foi por suas mãos, ainda na Rádio Tamoio AM, que o histórico álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, foi tocado pela primeira vez no Brasil, em 1967. O radialista também foi responsável por introduzir no país sons psicodélicos, progressivos, hard rocks, além de muita black e soul music — tudo isso em plena ditadura militar.
Seu estilo meio enlouquecido, sua paixão pela música e sua discoteca monumental garantiram-lhe um sucesso precoce no rádio. Quando o Grupo Globo adquiriu a Rádio Mundial, em 1966, o jornalista e poeta Reynaldo Jardim teve a missão de dar uma nova identidade a uma emissora até então voltada à programação religiosa. A mudança foi radical, mas bem-sucedida, principalmente com a contratação de Newton Duarte, que adotou o apelido de Big Boy e incorporou uma linguagem jovial, cheia de gírias e expressões que contrastavam completamente com os locutores tradicionais. Diariamente, das 15h às 16h — e, posteriormente, das 18h às 19h —, o Rio de Janeiro parava para ouvir o inconfundível “Hello, crazy people!”.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2020/v/r/TGBbrJTE622oeNgzUB2Q/baileflyer.jpg)
Big Boy ajudou a mudar a história da música popular no Brasil para além das ondas do rádio. Em parceria com o discotecário Ademir Lemos, ele idealizou, nos anos 1970, os lendários Bailes da Pesada — eventos que se tornaram verdadeiros marcos culturais e sociais da juventude carioca. O primeiro deles ocorreu em 12 de julho de 1970, no Canecão, em Botafogo, reunindo cerca de cinco mil pessoas para dançar ao som de James Brown, Marvin Gaye, Stevie Wonder e outros ídolos da soul music. Pela primeira vez, o público carioca vivia uma experiência coletiva de música negra amplificada por potentes sistemas de som, com luzes, vinis girando e o próprio Big Boy comandando o microfone, repetindo outra de suas máximas: “o DJ é o espetáculo”.
O sucesso foi imediato, e os bailes se multiplicaram, migrando rapidamente para clubes e ginásios da Zona Norte e do subúrbio, como o Magnatas, no Rocha, o Mackenzie e o Renascença, no Méier. A mudança geográfica transformou o movimento: ao sair da Zona Sul, os bailes passaram a atrair principalmente a juventude negra e periférica, que encontrou neles um espaço de pertencimento, expressão e orgulho. Não eram apenas festas dançantes — eram celebrações de identidade. Ali se afirmavam visualidades e comportamentos inspirados na cultura afro-americana: roupas coloridas, sapatos de plataforma, cabelos black power, passos coreografados… Era o surgimento de um novo modo de ser e de se ver negro no Brasil urbano dos anos 1970.

Em plena ditadura militar, os Bailes da Pesada também despertaram olhares desconfiados das autoridades. Grandes aglomerações de jovens negros, empoderados e em sintonia com um discurso de orgulho racial, eram vistas como ameaça. Ainda assim, os bailes resistiram — e, a partir deles, nasceu o Movimento Black Rio, que consolidou a soul music e o funk como formas legítimas de cultura popular. Mais do que isso: os bailes lançaram as bases para a posterior explosão do funk carioca, com suas equipes de som, DJs, dançarinos e a centralidade da batida e da performance.
Entre o rádio e os bailes, Big Boy se tornou símbolo de uma revolução sonora e comportamental. Com seu carisma e seu faro musical, foi um dos responsáveis por conectar o Brasil ao som da juventude global e por transformar o ato de dançar — e de ouvir — em uma forma de resistência cultural. O grito “Hello, crazy people!” ficou como marca de uma geração que, em plena repressão, ousou ser moderna, negra e livre.

