As bibliotecas do Rio
Não há cidade com vida literária ativa sem grandes bibliotecas. Com o Rio de Janeiro, mesmo com dificuldades, não foi diferente. Apesar de sediar a Biblioteca Nacional – a maior do país – a cidade sofreu e sofre de escassez desse tipo de espaço de leitura e guarda da história editorial e intelectual carioca e brasileira. De qualquer maneira, foi por meio de bibliotecas públicas e privadas que se constituiu um patrimônio literário cada vez mais acessível a pesquisadores contemporâneos, devido aos meios tecnológicos que preservam antigas publicações de periódicos e primeiras edições.
Ainda na primeira metade do século XIX, algumas bibliotecas particulares ficaram famosas. Os mais de 6 mil volumes de Antônio de Azevedo de Araújo, o conde da Barca; os mais de 1500 volumes de Francisco de Melo Franco ou os 5 mil volumes raros de José Bonifácio de Andrada impressionavam pela quantidade, mas tinham em comum a completa ausência de livros de autores brasileiros ou dedicados ao país. Com o avanço do mercado editorial brasileiro, aos poucos essa realidade foi alterada.
Por ter sido sede do Vice-Reino de Portugal a partir de 1808, a biblioteca oficial do Brasil tem como origem o trabalho que a corte portuguesa e o Marquês de Pombal realizaram, durante a recomposição da Real Livraria, após o violento terremoto ocorrido em Lisboa em novembro de 1755. Foi essa biblioteca de matriz europeia que chegou ao Brasil de forma fragmentada e foi acomodada de maneira improvisada nos fundos do Hospital da Ordem Terceira do Carmo, entre 1810 e 1811. A fundação oficial da Biblioteca Nacional ocorreu no dia 29 de outubro de 1810 e foi aberta ao público em geral em 1814.
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A instituição, ao longo do período imperial, teve diferentes endereços, sendo o número 60 da rua do Passeio um dos que mais duraram. Só em 1905, durante a presidência de Rodrigues Alves e Pereira Passos na prefeitura da capital da república, a pedra fundamental do prédio definitivo foi inaugurada, na avenida Central – atual Rio Branco. Em 1910, o edifício abriu as portas à população.
Outros espaços importantes para o mundo dos livros existiam na cidade e serviram de refúgio para literatos e pesquisadores em geral. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), criado em 1838, foi um dos espaços em que pesquisa e escrita se articulavam ao projeto conservador de manutenção da perspectiva monárquica que governava o país. Sua revista e suas pesquisas sobre história do Brasil foram fundamentais para os escritores dessa geração.
Outro espaço de referência para a vida literária na cidade é o Real Gabinete Português de Leitura. Fundado em 1837, passou a ocupar o edifício atual, de estilo neo-manuelino, em 1880. Em 1887 o prédio foi inaugurado oficialmente e a abertura ao público aconteceu em 1890.
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O Real Gabinete possui o maior acervo de obras portuguesas fora de Portugal. Machado de Assis e Olavo Bilac foram alguns dos famosos que frequentavam assiduamente o espaço. Localizado próximo ao antigo largo do Rocio, atual praça Tiradentes, perto dos cafés, livrarias e teatros da rua do Ouvidor e região, vizinho da Escola Politécnica (atual Instituto de Filosofia, Ciências Sociais e História da UFRJ), o Real Gabinete abrigou as primeiras sessões solenes da Academia Brasileira de Letras, demarcando sua importância para os escritores do período.
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Desde 1847, por iniciativa privada de Bernardo Joaquim de Oliveira, existiu na cidade a Biblioteca Fluminense, localizada na rua dos Ourives, esquina com a rua do Rosário. Porém, com as transformações da então capital federal após a instituição da República, as bibliotecas públicas do Rio de Janeiro foram erguidas sem a força de orçamento e organização que mereciam. Bibliotecas municipais e estaduais, sob a guarda do poder público, nunca conseguiram reeditar a força das instituições federais e se mostraram aquém de suas funções ao longo das décadas.
Ações recentes, como a criação das Bibliotecas Parques Estaduais (BPE), remontam a uma história iniciada em 1873, quando a sede da BPE na avenida Presidente Vargas era a Biblioteca Municipal da cidade. Só em 1975, após diversas mudanças de regime político, a transferência da capital para Brasília (1960) e a fusão do estado da Guanabara com o estado do Rio de Janeiro, a Biblioteca se tornou estadual.
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O modelo interativo e integrado a uma abertura do espaço à população começou a funcionar em 2014, tendo inclusive outras sedes, em comunidades como a Rocinha e o Jacarezinho. Problemas de administração pública, orçamento e manutenção, porém, prejudicam a continuidade do projeto e demonstram como, até hoje, os espaços de preservação e divulgação das práticas letradas convivem com a pouca atenção por parte do poder público.