O cais do porto no início do Rio

Quem seria capaz de descrever as belezas que apresenta a baía do Rio de Janeiro, esse porto que, na opinião de um dos nossos almirantes mais instruídos, poderia conter todos os navios da Europa?
(Saint-Hilaire, século XVIII)

As enseadas da Baía de Guanabara convidavam os primeiros navegantes ao desembarque, além de ser um local estratégico nos interesses dos portugueses em assenhorear-se das terras mais ao sul daquela costa do que viria a ser o Brasil. Guanabara é uma palavra em língua Tupi-Guarani, que designa “braço de mar” ou “seio de mar” ou ainda “rio-mar”. Seu nome nos lembra os povos indígenas, quem primeiro habitou aquele entorno de águas tranquilas, povoadas por golfinhos e baleias, se arredondando formosamente em praias de pouca areia. A profundidade da água não permitia chegarem embarcações maiores na costa, e para isso eram necessário barcos menores — quase canoas. Essa era a baía que, confundida com a foz de rio — talvez — foi encontrada por caravelas estrangeiras, bem no início do século XVI. O navegante florentino Américo Vespúcio louvou, em 1502, as qualidades do local, qualificando como “terra amena, temperada e sã”. 

Vista da Igreja e Praia da Glória, c. 1790 – Leandro Joaquim. Bem perto dali, os portugueses expulsaram os franceses e efetivaram a invasão e colonização do Rio de Janeiro. Wikimedia Commons

Em lugar próximo à boca da baía — mas não tanto, para que não deixasse de ser seguro — se criou o cais, numa pequena enseada, na qual foram sendo construídos pontos para atracar as pequenas embarcações. A primeira ocupação pelos portugueses ao redor do que viria a ser o marco fundador da cidade, se deu próximo à praia do Flamengo, mas sua continuidade e expansão enfrentou constante luta contra os indígenas, em grande parte tamoios, que defenderam sua terra como bem caberia fazer. Na batalha de Uruçumirim, em 1567, houve dezenas de mortos e centenas de aldeias indígenas foram incendiadas. Outros grupos indígenas, como os temiminós, se aliaram aos portugueses, na dura disputa por seguir naquela terra. 

Aparição de São Sebastião na Batalha das Canoas – Uruçumirim. Carlos Oswaldo, 1915 Acervo Palácio de São Joaquim. Fonte: Reddit. O mito da aparição do santo foi contado e recontado, no intuito de conferir ares de grandeza e heroísmo “divino” à invasão portuguesa às terras indígenas.

O porto nasceu marcado por esta história de conflitos. Em frente a esse cais foi erigido um convento carmelita, no século XVII. E, mais tarde, na primeira metade do século XVIII, a sede da Capitania do Rio de Janeiro, que veio a se tornar o Paço Imperial — símbolo do poder colonial. Neste lugar desembarcavam pessoas e mercadorias na cidade que se tornou capital da América Portuguesa em meados do século XVIII. Não era o único cais de desembarque, havia outras praias, como a dos mineiros, onde chegavam para receber suas encomendas aqueles vindos das Minas Gerais, também naquele século. São Sebastião do Rio de Janeiro: cidade-mar, marcadamente negra neste tempo de tão intensas conexões atlânticas, mas com uma história de longa presença e lutas indígenas em suas margens.

Porto da praia dos Mineiros no Rio de Janeiro. J. M. Rugendas – Wikimedia Commons

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