Sorria você está na Barra: os aterros em Jacarepaguá, Vargens, Barra e Recreio

A ocupação da Zona Oeste do Rio de Janeiro, especialmente nas áreas de Jacarepaguá, Vargens, Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes, esteve profundamente ligada ao processo de expansão urbana para oeste que, ao longo do século XX, transformou o antigo Sertão Carioca em um dos principais centros urbanos da cidade. O Sertão Carioca foi um nome consagrado pelo autor Magalhães Corrêa que em sua extensa obra do início do século passado, descreveu a vasta região localizada entre os dois grandes maciços cariocas. A área plana quente e úmida foi palco dos cultivos de cana de açúcar e fixação de engenhos durante o período colonial. Depois o ciclo do carvão e a manutenção da produção agrícola para abastecer o centro urbano carioca, se utilizou dessas terras, deixando pouco espaço para os remanescentes de brejos, várzeas e alagadiços da baixada sedimentar de Jacarepaguá. O crescimento urbano sobretudo nos últimos 50 anos foi arrebatador para os ambientes locais e os bairros que servem a classe média e classe média alta, embrincam-se com bolsões de favelas e uma densa malha viária de bairros que tem o carro eleito como principal meio de deslocamento. 

Ocupação da Baixada de Jacarepaguá, ao fundo o Maciço da Tijuca

A expansão da cidade e a crescente demanda por novas áreas habitacionais e comerciais forçaram uma série de modificações no uso do solo. O processo de aterro nessas áreas baixas, como os pântanos de Jacarepaguá e das Vargens, foi um dos principais mecanismos para a transformação da região. Tais áreas foram progressivamente aterradas para permitir a urbanização, levando à construção de novos bairros e do aeroporto de Jacarepaguá, enquanto os canais retilinizados forma construídos com a função de drenar e secar essas terras, carreando rapidamente os fluxos hídricos para o mar e permitindo a ocupação fortemente pavimentada. Mais recentemente, esse mesmo modelo de ocupação chegou na região da Vargens jogando aterro por sobre solos orgânicos, geotecnicamente instáveis. Loteamentos residenciais, condomínios e espaços comerciais disputam palmos do solo urbano na expectativa da “chegada da cidade”, cada vez mais real. 

Nos cordões arenosos a beira mar, os bairros da Barra da Tijuca e Recreio, acrescentaram aterros em pequenos trechos de brejos interdunares e sobre as próprias dunas, que foram destruídas, passando a serem feições muito raras hoje na paisagem local. O processo de aterro foi ainda mais impactante com o tempo que acelerou as transformações locais. Novamente, para além dos impactos diretamente sobre os ecossistemas locais nos terrenos de difícil aproveitamento, marcados por dunas, lagoas e alagados, tais áreas foram gradualmente transformados nas mais valorizadas da cidade. Esse processo gera impactos nas dimensões socioeconômicas capazes de serem mensurados pela quantidade favelas que brotam em todo esse entorno, desde o Rio da Pedras, Gardênia Azul, Anil e Curicica até a periferização em pontos da Vargem Pequena e da Vargem Grande.

Vargem Grande e Vargem Pequena como frente de expansão imobiliária. Os aterros trazem a premonição das futuras inundações.

Aterrar e se isolar é o presente de um futuro unido pelas águas da inundação.

Dois irmãos em uma sociedade nada irmanada, auto segregada nas ilhas puras.

Os padrões de relevo se repetem na paisagem, assim como os da ocupação. A paisagem da frente de expansão da cidade já aponta sua construção segregada entre as classes

A urbanização dos anos 1980, tem na Barra da Tijuca um importante marco espacial que denota o tipo de cidade que será consumida nas décadas posteriores: o Barrashopping, shopping show. A propaganda da época dizia “o mistério da vida é procurar, tudo que se imagina no mesmo lugar” e lá se encontrou uma área de mais de dois hectares, no reverso da principal crista arenosa da planície marinha, com suave declive em direção aos brejos e margem da Lagoa da Tijuca, onde foi feito os aterros para os estacionamentos no “nível Américas” e “nível Lagoa” e para a construção das suas mais de 700 lojas. A tônica socioespacial estava lançada e os condomínios de blocos de espigões para moradias da classe emergente dos anos 80, passaram a fazer parte da cidade, que revirava os cordões areosos até o Pontal do Recreio. O bairro passou a abrigar grandes condomínios, mais shopping centers e infraestrutura voltada para o transporte rodoviário, principalmente do carro particular. O antigo Sertão se converteu, assim, em um polo imobiliário, atraindo principalmente as construtoras investidoras com foco nas classes média e alta, que buscava viver em áreas auto-segregadas e com toda infraestrutura disponível. Como face da mesma moeda da especulação imobiliária é, também, nessa mesma década, que explode as áreas de favelas autoconstruídas para abrigar a classe trabalhadora, que vende, até hoje, sua mão de obra nesses condomínios e shoppings.

Morro da Panela entre a Gardênia Azul e Rio das Pedras assiste a intensa urbanização dos bairros da classe trabalhadora espremida atrás da Lagoa da Tijuca.

Por fim, o Recreio dos Bandeirantes seguiu um caminho semelhante, com a urbanização de terrenos alagadiços e a construção de novos bairros e residências, especialmente a partir dos meados dos anos 1980. Embora ainda mantenha algumas áreas preservadas, o Recreio passou a ser visto como uma área residencial de alto padrão, atraindo um público voltado ao lazer e ao turismo, características que o distinguem de outras regiões da cidade. Dessa forma, a ocupação da Zona Oeste e a transformação do Sertão Carioca foram emblemáticas dos últimos anos do crescimento e a expansão da cidade do Rio de Janeiro, demonstrando um desejo cada mais individualista do habitar. Uma cidade “sem esquinas”, onde “eu vivo com os meus” em espaços de encontro social combinados e restritos aos espaços de consumo. Os custos ambientais vão além dos ecossistemas destruídos, e chegam às relações empobrecidas em ilhas puras de egoísmo.

Patrocínios

Parceiros

Realização

Pular para o conteúdo