Santuário de Seu Zé Pelintra: um santo malandro para a cidade
A Lapa, bairro conhecido por encarnar a boemia do Rio de Janeiro, tem sido palco de grandes acontecimentos ao longo do tempo. Em seus arcos, esquinas, paralelepípedos, biroscas, postes e goles derramados no chão, vive a memória de muita gente que por ali passou e fez ela ser o que é; um verdadeiro furdunço. Miguelzinho, Camisa Preta, Meia-Noite, Edgar, a lendária Dama do Cabaré e o eterno Madame Satã são alguns dos nomes que integram a corte de uma ralé que por ali faz morada. Entre pernadas, afagos, porres, traição, fumaça, sedução, beleza e apostas, a Lapa se firma em um encanto singular dos que ali deram lida. Como cantaram os sambas, ela é guardada por “orixás de sua laia” e atravessada por uma certa “boemia que usa e abusa da diplomacia, mas não gosta de ninguém”.
Essa Lapa arruaceira, uma espécie de trabalho feito nesse Rio, digna das paixões e quizumbas que a amarram, tem um santo para chamar de seu. Santo em viés, sem a prerrogativa dos cânones, mas fiel à malta dos comuns e do povo da rua. Seu Zé Pelintra, nêgo mandingueiro do nordeste brasileiro, conhecedor das pajelanças, dos fundamentos das matas e da fumaça, mestre curador das mazelas do corpo e da perdição das almas. Seu Zé desceu de Alagoas em sua canoa para aportar como malandro nessa cidade. Encruzou os segredos da jurema no terno de linho. Na cuia em que bebe vinho, meteu para dentro a cerveja gelada, no cachimbo, o cigarro mais vagabundo, e trocou o maracá pelo tamborim. A popularidade fez o malandro ganhar um santuário no fígado do centro da cidade.
Para quem se encanta na esquina, a cachaça cuspida e a fumaça soprada bastam, mas a fé dos seus peregrinos quer mais. Por esse motivo, no pé da Ladeira de Santa Tereza se ergueu uma casa pequenina onde o malandro mora e o avesso da rua nem pensa em passar. O santuário do Zé Pelintra é hoje na cidade do Rio de Janeiro um lugar de referência para aqueles que compartilham da devoção ao mestre e a toda a corte de malandros e malandras que fazem da rua um grande palco de experimentação da vida, dos seus dilemas, sabores, contradições e encantos.
No Rio de Janeiro, Zé Pelintra é um dos ícones da umbanda. Com andar gingado, ele transita em diferentes bandas e se incorpora à cultura da cidade, lembrado nas rodas de samba, capoeira, botequins, agremiações carnavalescas e em outras diferentes cenas do cotidiano. Como que quem faz o santo é o povo, conforme dizia Câmara Cascudo, na aldeia carioca a nossa gente fez um santo malandro, popular porque caminha em tudo que é lugar, amigo fiel, bom de papo e de bico.